31/05/2007

"Eu Sou Feliz", de Tufi Rachid Amin (novo)


Tufi Rachid Amim nasceu em Rio Branco-Acre, em 10 de maio de 1952, originário de família sírio-libanesa que migrou para o Norte do Brasil, atraída pela pujança econômica da borracha amazônica. Quando criança estudou na Escola O Cruzeiro, fundada pelo Mestre Raimundo Irineu Serra, no Alto Santo, e teve como professora dona Percília Matos da Silva. Timidamente o menino Tufi observava o Padrinho Irineu Serra nas visitas periódicas que este fazia a escola. Ainda garoto, Tufi começou a trabalhar para ajudar a família. Foi baleiro, catraieiro, vaqueiro, “marreteiro” (compra e venda de gado), ajudante de caminhão, caminhoneiro, taxista, trabalhador rural e policial militar. Atualmente é sargento aposentado do Corpo de Bombeiros e pequeno proprietário rural.
O sargento Tufi é filho do comerciante Rachid Amim Abrahim. Da amizade do “turco”[1] Rachid com o maranhense Irineu Serra surge o convite para que Benjamim Rachid Amim, filho do velho Abrahim e irmão de Tufi, fosse padrinho de casamento de Raimundo Irineu Serra com a dona Raimunda Feitosa, isso no já distante ano de 1937.
Tufi é casado com a Sra. Herotildes Sales Amim, pai de cinco filhos – Rachid, Liliam, Leila, Suzy e Lisandra – e avô do menino Douglas.
Foi na condição de proprietário rural que o amigo Tufi, em novembro de 2004, se viu envolvido numa inusitada história do “seqüestro da jumenta”, que devido ao insólito do fato ganhou as manchetes nacionais. Uma história que seria cômica se não fosse trágica, isto é, não envolvesse questões de segurança para si e sua família.

Polícia investiga "seqüestro" de jumenta


Primeiro eram banqueiros. Depois foi a vez de comerciantes e publicitários. Mas agora nem nossos amigos quadrúpedes têm se salvo. A Polícia Civil do Acre investiga o "seqüestro" de uma jumenta de quatro anos, que foi furtada há três meses de uma fazenda em Rio Branco (AC). No estábulo, onde o animal costumava passar a noite, o dono da propriedade, o policial militar aposentado Tufi Rachid Amim, encontrou um bilhete com um pedido de resgate: R$ 1.500. Ele afirmou que depois do "seqüestro" passou a receber telefonemas com ameaças contra ele e contra o animal. Segundo o delegado, o Código Penal considera seqüestro apenas os crimes que envolvam a subtração de pessoas, não de animais. O crime está sendo tratado como extorsão, cuja pena prevista é de quatro a dez anos de prisão.
(Folha Online)

Tufi conheceu o Daime no ano de 1979, numa visita ao Centro Espírita e Culto de Oração “Casa de Jesus – Fonte de Luz”, a Barquinha, presidida pelo Velho Pastor Manuel Araújo, da qual foi freqüentador.
No ano de 1985 se filia a linha do Mestre Irineu, a Doutrina do Santo Daime, no Centro Livre presidido pelo Mestre Conselheiro Luiz Mendes do Nascimento, Centro ao qual pediu fardamento.
Nesta casa – então denominada CICLU, atual Centro Rainha da Floresta – Tufi exerceu as funções de subcomandante, comandante e gestor da Diretoria. Foi nesse período que, na condição de um dos organizadores da inesquecível comemoração do Centenário do Mestre Irineu, o seu Tufi hospedou a comitiva do Padrinho Alfredo Gregório na sua confortável casa na Vila Irineu Serra, e os “causos” de tão memorável festa ainda está viva na memória dos participantes, como se tivesse ocorrido ontem...
Em 1994, junto ao padrinho Luiz Mendes, o sr. Ladislau Nogueira, amigos e familiares, Tufi contribuiu decisivamente para a fundação do CICLURIS, também situado na Vila Irineu Serra, tendo o Ladi como Presidente, Tufi como Vice e Luiz Mendes como Conselheiro.
Em 1998 o CICLURIS é rebatizado de CICLUJUR – Centro de Iluminação Cristã Luz Universal Juramidam – com a mesma composição da diretoria, Ladislau Nogueira, presidente; Tufi Amim, Vice-Presidente, enquanto que o Mestre Conselheiro Luiz Mendes do Nascimento adentrava a floresta para firmar a sua Fortaleza.
Foi na condição de dirigente daimista que Tufi Amim participou, como representante (suplente), do Grupo Multidisciplinar de Trabalho do Conselho Nacional de Drogas (GMT do CONAD), instituído como resultado do Seminário sobre a Ayahuasca, organizado pelo Governo federal em março de 2006, na cidade de Rio Branco, tendo o objetivo de criar normas e regulamentar o uso religioso da ayahuasca.
O hinário “Eu sou feliz” que aqui apresentamos, começou a ser recebido do Astral Superior por Tufi Amim no ano de 1987. O primeiro hino, “Eu sou feliz”, é que dá título ao hinário que então se inicia.

Eu sou feliz, eu sou feliz, eu sou feliz,
Eu sou feliz, porque estou no meu país.
No meu país, que o Senhor me ordenou,
pra eu cumprir esta Missão com meus irmãos.

O apóstolo dos gentios nos diz que "a nossa pátria é nos céus"[2], portanto estou feliz porque estou no meu país - o reino dos Céus - onde mora o meu Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que me ordenou voltar a Terra, “pra eu cumprir esta Missão com meus irmãos”: cerrar fileiras com o Rei Juramidã para replantar a Santa Doutrina de Jesus Salvador.
O hinário de Tufi Amim tem diversos hinos de cura, entre os quais, destaca-se “O Doutor”, onde um ser curador se apresenta:

Eu sou, eu sou, eu sou o teu doutor,
trazendo o remédio pra curar a tua dor.

E logo a seguir anuncia a causa da doença: “a tua dor foi você quem criou” - a implacável lei divina do carma, de causa e efeito. Porém, rogue e chame pelo Doutor Divino, Nosso Senhor Jesus Cristo, que Ele se apresenta “trazendo o remédio pra curar a tua dor”.
Um dia solene de execução do Hinário “Eu sou feliz” é no 3 de janeiro, aniversário do Mestre Conselheiro Luiz Mendes do Nascimento. Neste dia, no coração da floresta amazônica, às margens do rio Xipamano, no Seringal Fortaleza, sede do CEFLI (Centro Eclético Flor de Lótus Iluminado), quando com muita pompa e vigor inicia-se o hino 25 (A Força) aqueles que têm o privilégio de estar presente naquela hora e lugar, na força e luz do Daime sentem-se tomados por um “tsunami” de amor e regozijo ao cantar:

A força chegou,
O mar balanceou.
A terra estremeceu,
Deus do céu foi quem mandou.

No hino 33 é invocada a “linha de Arroxim”, legião de seres curadores[3] da Corte Celestial.

Eu vou chamar
na Linha de Arroxim.
Os meus caboclos
para vim aqui curar.

Os caboclos aqui chamados, seres divinos do panteão ameríndio, são comandados do Astral pelo Padrinho Irineu, o Rei Juramidã.

Os meus caboclos
São da linha de Arroxim
Os meus caboclos
Pertencem ao meu Padrinho.

No hino de número 36 (Lembrança do Centenário), o Eu Superior que habita o homem simples do povo, Tufi Rachid Amim, se apresenta:

Jura é Papai,
Midam são seus herdeiros.
Eu sou Adão Midã,
Eu também sou herdeiro.

Afirmando fazer parte de uma família espiritual, a nobre família do Chefe Império Rei Juramidã - família da qual Raimundo Irineu Serra Juramidã é o digníssimo patriarca.
Nesta gravação do hinário “Eu sou feliz” são apresentados dois novos hinos, o 39 e 40, incorporados à “linha do hinário” por Tufi Amim no segundo semestre de 2007.
O hino de número 39, “Saudamos o grande dia” é um hino comemorativo de datas festivas; de exaltação e louvor ao General Juramidã. É uma marcha/valseado e deve ser bailado com os mesmos movimentos que o hino 111 do Hinário do Mestre Irineu (“Estou aqui”) – primeiro verso, marcha; segundo verso, valseado e assim sucessivamente.


39 - Saudamos o grande dia (Marcha / Valseado)

Saudamos o grande dia
Que o nosso pai nos deixou
Saudamos o grande dia
Com amor e alegria

Vamos todos marchar em frente
Ouvindo o toque do clarim
Vamos todos marchar em frente
Traí traí traí...

Nosso Mestre sempre na frente
O comandante dessa gente
Ele brada seu clarinete
Para todos nós seguir

Vamos todos seguir em frente
Para sempre para sempre
Nosso Mestre nos esperando
Muito alegre e contente.


Na espaçosa varanda da sua casa, saboreando delicioso suco de cupuaçu, Tufi nos contou a interessante história do recebimento deste hino exaltação. Na manhã do feriado de Natal, logo após o bailado comemorativo, ainda semi-fardado da função religiosa que se encerrara, ele se deslocara para a colônia de sua propriedade, em busca do leite que comercializava, fornecendo a clientes de Rio Branco.
Chegando a sua próspera fazenda, ainda no “fluido”[4] do Daime, sente no seu íntimo o retorno de forte miração. Estaciona então sob frondosa mangueira, para o benfazejo recolhimento. Dentro do automóvel que conduzia, assiste sobre a sua cabeça (num universo mítico, paralelo ao teto do carro) organizar-se uma banda de música para executar apoteótica canção. A música como que preenche todos os seus sentidos. Após maviosa introdução instrumental, um coro de vozes angelicais entoa:

Saudamos o grande dia
Que o nosso Pai nos deixou...

Músicos e cantores do Império Juramidã repetem a execução do belo hino, para memorização do aparelho humano que o recebia. Logo após, desfaz-se tal apresentação e, passado alguns minutos, a miração acaba.
Desde então, em datas festivas do CICLUJUR, este hino é cantado na “linha das diversões”, sendo a 11ª Diversão, logo após a execução bailada do “Zig zag”. No CEFLI este hino é cantado como a 10ª diversão, bailando-se o “Zig zag” logo a seguir - a ordem dos fatores não altera a excelente qualidade do produto.
O hino 40 – Caminho de Amor, foi recebido por Tufi no dia 27 de outubro de 2004, e é um hino de despedida:
40 – Caminho de Amor (Marcha)

Vou me embora vou me embora
Vou pra junto de Mamãe
Vou atender o chamado
Do Velho Juramidã

Meu Velho Juramidã
Me ensina com amor
Eu agradeço a meu Mestre
Pelo Vosso santo amor

A Rainha da Floresta
Ao Nosso Mestre ordenou
Para ele nos ensinar
O caminho do amor

Jesus Cristo Redentor
Pelo Vosso santo amor
Eu entrego o meu espírito
Com carinho e com amor

Minha Mãe, minha Rainha
Criadora e protetora
Guardai minha matéria
Nesta grandiosa Terra.

Tufi Amim, sofrendo de doença renal crônica, passava pelo período mais crítico da sua vida, com a saúde abalada e quase que “desenganado” pelos médicos. É transferido as pressas para hospital em São Paulo a espera de transplante de rim.
Ao receber este hino, o velho sargento do Exército de Juramidã imaginou que sua hora de deixar o mundo Terra tinha chegado, e ainda teve forças de instruir a sua esposa Herotildes a apresentar esta singela canção durante o seu velório.
O que Tufi não sabia é que o chamamento a se apresentar no mundo espiritual, naquele exato momento, não era para si... o chamado a viajar “pra junto de Mamãe” foi para a sua antiga professora e amiga: dona Percília Matos da Silva, a Percilinha, Percília de Pedro.
Percília Taio Ciris Midam Matos da Silva foi chamada pelo Velho Juramidã a viver no meio das flores, junto da Virgem Maria, Nossa Senhora da Glória neste exato dia: 27 de outubro de 2004. E para a felicidade de seus familiares e amigos, Tufi Adão Midam Rachid Amim aqui continua entre nós.
O amor incondicional da sua generosa esposa, a madrinha Heró, foi fundamental para a recuperação de seu querido cônjuge, pois foi ela a doadora do rim que restituiu a vida e saúde a seu amado marido.
Esta execução do hinário “Eu sou feliz” aconteceu no 3 de janeiro de 2008, na sede do CEFLI, Seringal Fortaleza, Capixaba-Acre, em homenagem ao 68º Aniversário do Mestre Conselheiro Luiz Mendes do Nascimento. A família Rachid Amim foi responsável por puxar o significativo hinário – Rachid, Liliam, Leila, Daniela e o próprio dono do hinário. Este festejo é data maior do Encontro para o Novo Horizonte, que ali se realiza anualmente.


Antes do “Eu sou feliz” costuma-se cantar o hinário "Estrelinha do Céu", de Rubilam Chaves, um pequeno conjunto de singelos quatro hinos. A letra desses dois hinários encontra-se disponíveis para download no site http://www.luizmendes.org/hinarios.htm.
A gravação foi feita por Liliam Amim e a separação de faixas e programação ficou a cargo do Amigo Rodrigo Conti, ao qual enviamos nossos profundos agradecimentos.

VIVA O DONO DO HINÁRIO!!!


[1] “Turco” era o nome genérico que se dava a migrantes sírio-libaneses no norte-nordeste do Brasil.
[2] Filipenses 3:20.
[3] A “linha de Arroxim” já se apresentara anteriomente no hinário “O Ramalho”, do sr. Raimundo Gomes.
[4] Fluido do Daime. Termo que os daimistas usam para exemplificar uma situação do usuário do chá estar ainda sob efeito sutil da santa bebida.

Colaboração de nosso grande amigo Juarez Duarte Bomfim. Para extrair as mp3 do hinário "Eu Sou Feliz", baixe os arquivos compactados clicando em:


Em novas gravações, o hinário pode ser agora melhor apreciado:


30/05/2007

Sessões Musicadas

Instrumentos musicais da casa do Mestre, no Memorial Irineu Serra (Rio Branco - Acre)

Quem conhece hoje o ritual do Daime na Doutrina de Juramidam pode imaginar que este desde um primeiro momento houvesse sido desenvolvido com o acompanhamento de instrumentos musicais, tamanha a presença e a importância dos músicos no desenvolver dos trabalhos. Entretanto, à exceção dos maracás, que possuem função rítmica tanto no acompanhamento do canto quanto no esquadrejamento do baile, não houve acompanhamento de instrumentos musicais nas sessões de hinário por muitas décadas, e importantes nomes como Antônio Gomes, Maria Marques e João Pereira jamais tiveram o prazer de bailar seus próprios hinários acompanhados por violões, por exemplo. O que chegaram a presenciar foi, em sessões de concentração, Daniel Pereira de Matos, amigo maranhense do Mestre Irineu que ainda nos anos 40 veio a fundar um centro com ritual próprio, executando em seu violino algumas peças musicais para ambientação:

Foi no desenvolvimento de suas atividades como carpinteiro, que Daniel Pereira de Matos passou a fabricar seu próprio instrumento e compor suas músicas. "
Ele só tocava músicas dele, até os instrumentos eram feitos por ele", volta a afirmar Raimundo Gonçalves. Com o tempo, Mestre Irineu passou a utilizar as valsas compostas por sua autoria, instituindo um ritual de Sessões Musicadas. "Nós tínhamos um sistema de trabalho que era o seguinte: o padrinho Irineu dava um serviço de concentração e o Daniel tinha umas teorias de fazer valsas dele. Então quando chegava numa parte do trabalho, o padrinho Irineu mandava o Daniel tocar aquelas valsas dele que eram bonitas. A gente se concentrava naquela música que ele tocava. Então era assim que o Daniel participava dos trabalhos no tempo em que ele estava com o Mestre Irineu", acrescentou o sr. Raimundo Gonçalves).

Depois da participação de Daniel Pereira de Matos, se conta que certa ocasião um visitante cego que tocava violão pediu permissão para acompanhar os hinos de uma sessão bailada com seu instrumento, e apesar de não os haver sequer estudado antes causou excelente impressão e a vontade de que isso pudesse se dar com os próprios fardados da casa a cargo dos instrumentos musicais. Apesar de que as datas cronológicas constantes da monografia de Jairo Carioca sejam muitas vezes passíveis de revisão, a de 1958, que ele aponta para a introdução de instrumentos no ritual, é bem cabível de ser verídica já que inserida em um contexto vinculado ao regresso do Mestre Irineu à sua viagem ao Maranhão:

Daniel Pereira de Matos, que havia seguido seu caminho espiritual, deixou aberto na escola do Mestre Irineu o dom da música, a harmonia dos acordes musicais que executava com esplendor e maestria. A chegada da Família Carioca na sessão marca a introdução de instrumentos no ritual sagrado instituído pelo Mestre Irineu. Embora houvesse alguns tocadores de violão no Alto Santo, quem estimulou a idéia de solo aos hinos foi o sr. Júlio Chaves Carioca. "Comprei um bandolim para a Lourdes, o Mestre disse que um cavaquinho seria mais fácil para aprender. Comprei um cavaquinho, depois com um tempo, o Mestre pediu para comprar um violão para ela, e me deu naquela época 8 mil réis para comprar um violão para sua esposa, comadre Peregrina", relata Júlio Carioca. Foi a partir da compra desses violões que formaram-se os primeiros grupos musicais no Alto Santo. "O Mestre ensaiava o ritmo conosco, batendo seu maracá ao nosso lado. Ele mandava que nós nos concentrássemos e invocássemos o Mestre Daniel Pereira de Matos para vir ensinar a gente a tocar. Com pouco víamos os locais dourados aonde tínhamos que bater nas cordas: dito ninguém acredita", conta dona Lourdes Carioca, que formou o primeiro trio de tocadores, ao lado de dona Peregrina Serra, e de seu esposo Júlio Carioca. Depois outros seguidores foram se interessando pelo aprendizado da música: - Raimundo Gonçalves (banjo) - Maria Laurinda; - Jovita Gomes; - Adália Grangeiro; - Tolentino (todos com violão); - Enoque (bandolim); - João Serra, sobrinho do Mestre (pandeiro) formavam novos grupos de músicos da Doutrina. Sabe-se que desses seguidores formaram-se como primeiros tocadores: Júlio Carioca, Lourdes Carioca, Peregrina Serra e Maria Zacarias (violão), Raimundo Gonçalves (banjo) e João Serra (pandeiro). O violão, o banjo, o bandolim e o pandeiro passavam a ser os instrumentos originais do trabalho. Não poderíamos deixar de registrar nesse contexto, a passagem na sessão de Francisco, o Chiquinho Cego, como era conhecido devido a cegueira adquirida aos sete anos de idade. Foi ele quem iniciou as aulas de violão aos irmãos Júlio Carioca Filho, João Batista Carioca e José Carlos Carioca, que mais tarde firmam-se como músicos oficiais da Doutrina.

Na atualidade os músicos são tão presentes na execução dos hinários que alguns centros chegam a ter um lugar específico para eles se colocarem durante os bailados. No Alto Santo assim como nos centros mais próximos, bem como nas igrejas da Barquinha (surgidas a partir da labor de Daniel Pereira de Mattos), o destaque vai para os suaves e magníficos arranjos para teclados eletrônicos. Nas igrejas ligadas a outra Barquinha (a do Padrinho Sebastião), são notáveis os trabalhos em instrumentos de corda (especialmente violões acústicos e guitarras elétricas), sopro, assim como a percussão com tambores ou atabaques. Conheça de Guilherme Granjeiro, neto de Antônio Gomes, dois cds com hinos variados em versões instrumentais, extraindo o download em:

26/05/2007

Maria Damião e "O Mensageiro"

"Anunciação", pintura de El Greco (1600)

O Mestre Irineu teve muitos alunos, muito mais de mil, mas nem todos se esforçaram para aprender igual. Tem muitos deles que levaram a sério e posso citar uma: Maria Damião foi uma aluna que trabalhou uns tantos anos com o Mestre. Faleceu em 1949, mas aprendeu e recebeu um hinário e por isso será uma pessoa sempre lembrada dentro da Doutrina. (José Francisco das Neves Junior, o Conselheiro Zé das Neves)

Maria Marques Vieira nasceu em Belém do Pará em 1917, e começou a tomar Daime com o Mestre quando tinha dezoito anos e já era uma mulher casada. Conta Jairo Carioca: No dia 02 de abril de 1949, Mestre Irineu e seu grupo se despediam de dona Maria Marques Vieira, que carinhosamente era chamada de Maria Damião. Os mais antigos contam que com a morte de seu esposo, o senhor Damião Marques, Maria Damião enfrentou a árdua missão de criar sete filhos. Ela dedicava-se, além da doutrina, exclusivamente ao trabalho com a terra. Plantava, roçava e colhia o pão de cada dia que ajudou a criar seus filhos", relata dona Percília Matos, de quem foi grande amiga. Espiritualmente, Maria Damião recebeu um dos mais belos hinários da Doutrina, hoje batizado como "Mensageiro", composto de 49 hinos. Seus hinos verbalizam em sua totalidade as palavras do Mestre Irineu. É desse hinário a origem da palavra pátria na Doutrina. Maria Damião, através de seus hinos, nos fala do amor à Pátria - terra onde nascemos, e em outras passagens projetou histórias que aconteceriam no futuro, como as divisões do grupo em 1974 e 1981. Em 1945, quando a marinha japonesa foi derrotada, os alemãs e italianos expulsos do norte da África, na Segunda Guerra Mundial, Maria Damião anunciava através de seus hinos: "novas revoluções com os estrangeiros". Seu hinário descreve também a figura de um Chefe Estrangeiro, ser espiritual misterioso, que poucos na Doutrina conhecem seu significado e origens. "Retratando essa passagem, o Mestre recebeu o hino "Choro Muito". Ninguém sabia que ela estava doente. Com três dias que saiu esse hino, chegou a notícia que ela estava agonizando. Ela adoeceu repentinamente e morreu com 32 anos. Maria Damião também fala de sua passagem para a vida espiritual em seu último hino, que recebeu o nome de despedida:

"A tua casinha está pronta
Caminhos abertos
Jardins de flores
A ti oferecem

Jesus Cristo salvador
E a Rainha da Floresta
Se vós ver que eu mereço
Receba ó mãe honesta

Nas minhas ouças escutei
Um grande festejo
Os meus irmãos chegando
E o meu corpo se liquidando

Corrigi meu pensamento
Pedi perdão a meu pai
Para eu poder seguir
A minha feliz viagem"

Após seu falecimento, o hinário "O Mensageiro" passou a ser carinhosamente zelado por Percília Matos, gerente-geral dos hinários, que relatou que a casa de Maria Damião foi local do primeiro ritual de hinário: O primeiro hinário foi em 23 de junho de 1935, na casa de Damião Marques, marido de Maria Damião. A noite toda cantamos nove hinos, dois do Germano, dois do João Pereira e cinco do Cruzeiro, pois era o que tinha. Cantávamos cada hino três vezes, depois voltava tudo de novo. Às 23 horas houve um intervalo, cantamos a Refeição diante de uma mesa completa. Depois voltamos e amanhecemos o dia, com nove hinos apenas. Lua Branca foi recebida no Peru.

Para obter o arquivo pdf com a letra dos hinos de Maria Marques Vieira, clique aqui. Para extrair o download dos hinos em formato wma, em primorosa gravação de Valsírio Granjeiro, acesse:

João Pereira, o General do Conforto

Na foto do Mestre Irineu com seus seguidores no local de trabalhos da Vila Ivonete (começo dos anos 40), João Pereira aparece de barrete na cabeça, logo após o Mestre (da esquerda para a direita). Nessa época ele era casado com Maria Franco, mãe da esposa de Irineu Serra, Dona Raimunda, e portanto era "sogro" do Mestre.

Um dos primeiros membros da Doutrina de Juramidam, João Pereira nasceu em Porongaba, Ceará , no fim do século 19. Não se sabe a data de sua transferência para o Acre, mas ele também serviu na Guarda Territorial junto ao Mestre e Germano, e tocava na banda como músico do quartel. Conta-se que João Pereira tinha pouco cabelo, era caboclo e trabalhou como agricultor e carroceiro. João Pereira possui um dos cinco hinários tidos como base da Doutrina. O caderno de hinário deixado por ele foi intitulado "Seis de Janeiro" por conter uma pungente valsa em celebração ao Dia dos Santos Reis Magos. Além destes hinos, João Pereira recebeu o hino que "Oh meu Pai Eterno" no Caderno de Missa é cantado em pé com quatro celebrantes segurando velas acesas em torno da mesa para formar uma cruz. Também teria tido outros hinos, os quais foram em uma correção pelo Mestre foram retirados do caderno e deixaram de ser cultivados. Faleceu em 1954, e depois disso o Mestre se separou de sua esposa Raimunda e toda a família desta deixou o Acre. Mestre Irineu sempre se referia a ele como "o General do Conforto", por aquilo que seu hinário transmitia de bom dentro dos trabalhos em que era cantado.

Para obter o arquivo pdf com a letra dos hinos, clique aqui . Para extrair o download dos hinos em formato wma, em primorosa gravação de Valsírio Granjeiro, acesse :

23/05/2007

Germano Guilherme e suas flores eternas


Germano Guilherme dos Santos nasceu no Piauí em 1901. Mudou-se com sua família para Rio Branco, Acre, onde ele viveu trabalhando nas colônias. Ao servir a Guarda Territorial, Germano conheceu Raimundo Irineu Serra e conheceu o Daime através desse amigo: não só foi um dos primeiros seguidores do Mestre Irineu, acompanhando-o desde 1928, como foi o primeiro a receber hinos junto do Mestre. Por esse motivo, é tradição no Alto Santo cantar o seu caderno de hinário antes do "Cruzeiro", hinário do Mestre. Era um homem de pele negra mas nos pedidos com o Daime pela cura de uma ferida na perna viu que em uma encarnação anterior havia sido um cruel senhor de escravos, por isso essa ferida não tinha cura, era "sentença". Em 1943 ele desposou uma filha de Antônio Gomes, Cecília, vinte e seis anos mais jovem que ele e cujo filho de adolescência (que havia gerado com José das Neves) fôra adotado como filho pelo Mestre e sua esposa Dona Raimunda com o mesmo nome do tio materno que o Mestre deixara no Maranhão, Paulo d´Assunção Serra. Nos anos seguintes se mudaram com o Mestre para as terras que este ganhou do governo territorial, primeiramente chamadas de "Alto da Santa Cruz", e depois de "Alto Santo", onde passaram a viver em uma comunidade como uma grande família de seguidores e onde em 1948 foi erguido o templo que passou a ser chamado de "sede" do Centro Livre. Germano Guilherme faleceu em 1964, deixando seu caderno de hinário, o "Sois Baliza", como um dos alicerces da Doutrina que ajudou a fundar junto a seu amado Mestre.

Para baixar a letra dos hinos em formato pdf, clique aqui. Para extrair o download dos hinos em formato mp3, de uma gravação realizada em estúdio com cantores e músicos do Ciclujur, acesse:

22/05/2007

Antônio Gomes e "O Amor Divino"

pintura de Vicente López Portaña (1805)

Antônio Gomes da Silva nasceu no Ceará em 30 de abril de 1885. Lá casou-se com sua esposa Maria de Nazaré, e mudou-se para o Pará. Em 1921 veio com toda a família trabalhar nos seringais do Acre, e enviuvou ficando com cinco filhos para criar sozinho. Em segundas núpcias, com Maria Gomes, teve mais quatro filhos. Conheceu a Doutrina do Daime no ano de 1938, e ao falecer em 1946 legou à irmandade o seu caderno de hinário, intitulado "O Amor Divino", composto de 39 hinos. Um outro hino seu, "Senhor Amado", que não faz parte de seu caderno, é o que abre o Caderno de Missa, copilação de hinos feita pelo Mestre para rituais de velório e homenagens a irmãos desencarnados.

Segundo Jairo Carioca, No Acre, embarcações haviam trazido famílias inteiras de nordestinos que fugiam da seca em busca de uma melhor vida na região. "Numa dessas embarcações, relatou dona Zulmira Gomes, papai nos trouxe para cá. Sofremos muito na viagem de navio até aqui, mas chegamos com fé em Deus. Aqui, com uns tempos, papai estava muito doente, sentia uma perturbação no juízo muito forte e eu já estava cansada de tanto correr para aqui e para acolá atrás de uma cura para ele. Compadre Zé das Neves me perguntou se eu não conhecia a sessão de um negro alto que curava na Vila Ivonete. Disse que não. Ele insistiu até que me convenceu a ir até lá. Me apresentei ao Mestre, ele olhou o estado de papai e marcou para a próxima quarta-feira o início do trabalho de cura para ele. Mais ele já saiu de lá melhor (sorriu) e com três sessões de cura ele ficou bonzinho. Aí ele foi e disse que nunca mais abandonaria aquele trabalho", relatou dona Zulmira Gomes. (...) Ela relatava o fim do primeiro ciclo de formação da doutrina. O Mestre Irineu, que já dava os primeiros passos na institucionalização de seus trabalhos, contava com um considerado grupo de seguidores. Da nova família, além de Antônio Gomes da Silva, o patriarca, os seus filhos Leôncio Gomes, Raimundo Gomes, Adália Gomes, José Gomes e dona Zulmira Gomes também passaram a freqüentar a sessão. Dona Zulmira, casada com o senhor Sebastião Gonçalves, levou à missão seus filhos Raimundo Gonçalves, João Gomes, Benedita Gomes, Eloísa Gomes e Peregrina Gomes. Essa família fortificava a edificação da doutrina, como o próprio Antônio Gomes, que passou a receber um rico e instrutivo hinário, onde relata: "O Mestre trabalhava, se achava quase sozinho, pediu a Jesus Cristo que abrisse o seu caminho".

É no hinário de Antônio Gomes que surge pela primeira vez o nome de "Juramidam", identificado como o nome do Mestre no plano astral. Leia sobre como Mestre Irineu recebeu o hino "Só eu cantei na barra", dedicado a Antônio Gomes, em crônica de Juarez Bomfim. Após o falecimento desse seu querido seguidor, o Mestre se encarregou de sua família a seu pedido, e foram os Gomes um dos pilares centrais de seu centro. Um depoimento de Peregrina Gomes Serra, neta de Antônio Gomes e última esposa do Mestre Irineu, feito em 2006, pode ser conhecido no site Mestre Irineu.

A gravação que disponibilizamos foi realizada por outro neto de Antônio Gomes, Valsírio Granjeiro, filho de Adália Gomes. Inclui o hino 5, "Declaração", que sendo uma mazurca por muito tempo esteve excluído dos trabalhos por considerar-se hino de cura, portanto especial. Mestre Irineu, no final de sua vida, revisou os hinários de seus principais discípulos falecidos anteriormente: Germano Guilherme, Antônio Gomes, João Pereira e Maria Marques Vieira, e ordenou que este hino 5 fosse bailado normalmente. Sua instrução entretanto não foi colocada em prática, muito pelo hábito que as cantoras tinham de deixá-lo de fora. Seu retorno aos salões de bailado tem sido defendido por Dona Adália Gomes com veemência, por isso aparece aqui incluído em seu devido lugar.

Obtenha a letra dos hinos clicando aqui. Extraia o download dos arquivos de áudio (formato wma) em:

21/05/2007

O Santo Cruzeiro


Raimundo Irineu Serra, fundador da Doutrina do Daime, intitulou o seu caderno de hinário como "O Cruzeiro Universal". A expressão "Cruzeiro" alude à Cruz de Caravaca, de dois braços, assim como à Constelação do Cruzeiro do Sul ("Cruz del Sur", em espanhol), e também ao "cruzeiro", viagem marítima que cruza um oceano. Segundo José Francisco das Neves Junior, que acompanhou o primeiro trabalho do Mestre Irineu em Rio Branco, em 26 de maio de 1930 (vide depoimento), nessa ocasião já existiam dele os seis primeiros hinos, que eram cantados seguidamente. Segundo Percília Matos da Silva, os hinos teriam começado a serem recebidos em 1934, quando ela foi iniciada nos trabalhos do Mestre, pois foi ela própria enquanto criança alfabetizada quem fez o primeiro registro escrito dos hinos, e se lembra que o Mestre lhe foi ensinando um a um.

Segundo Luiz Mendes do Nascimento, quando se canta no hino "A febre do amor" Completei o meu Cruzeiro com cento e trinta e duas flores. Aí, muitos entendem que ele já estava predizendo a quantidade de hinos que fariam parte do Cruzeiro. Não! Ele não previu isto. Isso foi na sucessão dos hinos que se chegou a 132. Quando ele recebeu este hino, ele cantou assim: Completei o meu Cruzeiro / Com cinqüenta e duas flores / Se tiver alguma de mais / Vós acrescente o meu amor. Quando ele recebeu o próximo, Virgem Mãe Divina, Ele cantou: Completei o meu Cruzeiro / Com cinqüenta e três flores / Se tiver alguma de mais / Vós acrescente o meu amor. E assim sucessivamente, até chegar a cento e trinta e duas flores. O hinário do Mestre Irineu, entretanto, possui cento e trinta hinos, sendo que os hinos número 5, 17 e 25 são cantados apenas em ocasiões especiais, e os hinos 7 e 14 são unicamente cantados no Caderno de Missa, destinado a velórios e rituais de homenagem a falecidos juntamente com outros hinos, alguns seus e outros de alguns de seus seguidores.

Além destes hinos registrados em seu caderno de hinário, Mestre Irineu também é autor de cinco canções conhecidas como "Diversões".

Conheça mais sobre a história da Doutrina do Daime através da monografia de Jairo Carioca.

Para obter o hinário do Mestre em versão pdf para impressão, clique aqui.

Para baixar os arquivos de áudio do hinário do "Santo Cruzeiro", em gravação de Valsírio Granjeiro e família (nesta versão excetuam-se os hinos 5, 7, 14, 17 e 25 que são especiais e/ou não são bailados), extraia o download em:


20/05/2007

O documentário "Irineu"


Em 1992, a irmandade daimista preparou a realização dos festejos do Centenário de Nascimento de Raimundo Irineu Serra, o Mestre Irineu, capitaneada pelo então Centro de Iluminação Cristã "Luz Universal", CICLU, presidido por Luiz Mendes do Nascimento. Apenas anos mais tarde houve a identificação de um batistério em sua terra natal, no município maranhense de São Vicente Férrer, que indicava que a data de nascimento do Mestre Irineu teria sido a 15 de dezembro de 1890. Todos os documentos que o Mestre possuía em vida lhe davam como nascido dois anos depois, por isso em 1992 é que houve uma união em torno da comemoração de seu Centenário.

O CICLU original havia sido aquele fundado pelo Mestre em 1971 colocando a Leôncio Gomes da Silva, filho de Antônio Gomes, na presidência do Centro, a fim de que passasse a exercer o comando dos trabalhos após seu falecimento. Quando do falecimento de Leôncio Gomes, em 1980, o seu melhor amigo, Francisco Fernandes Filho, o Tetéo, quis assumir o comando dizendo-se "indicado" pelo Mestre e pretendeu até mesmo esposar a viúva do Mestre. Banido do centro pela família da Madrinha Peregrina, Tetéo foi acompanhado por vários expoentes do centro, inclusive o secretário-fundador, Senhor João Rodrigues Facundes, o "Nica", que consigo trouxe toda a documentação do Centro. Deste modo, a sede fundada pelo Mestre ficou sem estatuto nem regulamentação, e o CICLU passou a existir em terras doadas pela filha adotiva do Mestre, Marta, na mesma localidade, hoje Bairro Irineu Serra, na capital do Acre. A viúva do Mestre entrou na justiça para rehaver a documentação de seu centro mas perdeu, e desse modo o centro original teve de proceder a um novo registro, que o nomeou como CICLU-Alto Santo.

No novo CICLU, após o falecimento de Tetéo, a presidência passou para o Sr. Luiz Mendes do Nascimento, e este em 1992 fez construir um grande galpão para realizar uma semana de festejos em torno do Centenário do Mestre Irineu, para os quais todos os demais centros foram convidados, inclusive os do Cefluris (Centro Eclético da Fluente Luz Universal "Raimundo Irineu Serra") comandado por Alfredo Gregório de Melo, o Padrinho Alfredo. Em decorrência dessa aproximação diplomática que reestabeleceu relações entre centros dissidentes do Alto Santo, o próprio Luiz Mendes teria mais adiante de se desvincular do CICLU e fundar uma nova irmandade. O Sr. João Rodrigues Facundes, assegurado pelo estatuto do qual era guardião, manteve o nome CICLU até recentemente, quando escolheu para nome de seu centro o de Centro Rainha da Floresta - CRF, e devolveu à viúva do Mestre os documentos originais da primeira regulamentação jurídica do trabalho sócio-religioso da Doutrina do Mestre Irineu.

Como parte dos festejos do Centenário, a pesquisadora Marinete Valle de Aquino, pela Fundação Cultural do Acre, juntamente com a historiadora acreana Fátima Almeida, realizou em formato VHS o documentário "Irineu" (1992). Apresentamos aqui o extrato sonoro em formato mp3 dos depoimentos prestados nesse documentário por ilustres discípulos remanescentes do Mestre Irineu, alguns dos quais hoje já falecidos, como: Valsírio Serra, Cecília Gomes, Júlio Carioca, Francisco Granjeiro, Daniel Serra, Dona Veriana, Altina Serra, Luiz Mendes, Dona Percília e seu esposo o Sr Pedro.

Extraia aqui o download desses depoimentos contidos no documentário "Irineu".

19/05/2007

O hinário de Arroxim


Raimundo Gomes da Silva, filho de um dos principais discípulos do Mestre Irineu, já possuía dez hinos em seu caderno de hinário quando a irmandade se mudou para o "Alto da Santa Cruz", hoje o Alto Santo, no bairro Irineu Serra, em Rio Branco, capital do Acre. Sebastião Jaccoud, que o venerava como tendo sido nesse mundo a reencarnação de João Batista, assim o descreve em sua obra "O Terceiro Testamento - Um Fato para a História" (aqui transcrito a partir do site MestreIrineu.org) :

"Dentre os discípulos Raimundo Gomes foi o que mais se destacou em humildade e lealdade ao Mestre Irineu. É o único que recebeu um hinário, O Ramalho, com a mesma quantidade de hinos do Cruzeiro. Raimundo Gomes era um homem miúdo, de aproximadamente 1,60m, mas cuja estatura espiritual lhe assegurou forças suficientes para amealhar os mais avançados estudos sobre a Doutrina de Jesus Cristo e sobre o significado da missão do Mestre Irineu.

Raimundo nasceu em Castanhal, no Pará, e durante muitos anos foi seringueiro. Nunca freqüentou escola e não conseguia sequer assinar o nome. O hinário O Ramalho é uma das obras mais aprofundadas e esclarecedoras sobre o cristianismo. O fato de ser analfabeto não impedia que Raimundo Gomes fosse fluente na leitura na espiritualidade.

Um fato inusitado é a primeira referência que fez em um dos seus hinos sobre a cabala. Diz o Aurélio que cabala é: "1. Tratado filosófico-religioso hebraico, que pretende resumir uma religião secreta que se supõe haver coexistido com a religião popular dos hebreus. 2. O contexto desse tratado, particularmente a decifração de um sentido secreto da Bíblia e uma teoria e um simbolismo dos números e das letras." Diz o hino: "Jesus Cristo é quem nos manda / Jesus Cristo é quem nos dá / Esta divina doutrina / Do divino Soberano Pai / A Virgem Soberana Mãe / Foi quem veio resplandecer / Nos relembrando esta verdade / Do Divino Senhor Deus / Os apóstolos estão chegando / Para vir nos ajudar / Para firmar esta cabala / No mundo material". Através das revelações feitas pelo Daime, que ficaram registradas no hinário, Raimundo Gomes foi o primeiro discípulo a declarar que Raimundo Irineu Serra é Jesus Cristo.

No hino intitulado NOVAS INSTRUÇÕES os espíritos de Jesus Cristo e João Batista, reencarnados nas pessoas de Raimundo Irineu Serra e Raimundo Gomes da Silva, tiveram, neste século, um diálogo bastante esclarecedor. O hino começa com as seguintes palavras do Mestre: "Eu agora aqui lhe entrego / Estas novas instruções / Você explande para todos / Se quiser ser meu irmão". O discípulo responde: "Eu de vós eu recebi / E com vós eu quero explandir / Para todos que quiser acreditar e lhe ouvir / Esta verdade é divina / É de Jesus Cristo Redentor / Foi quem veio nos ensinar / A Doutrina do Salvador / Ele veio nos ensinar / E é quem nos dá todo valor / E porque é que não se liga / Às instruções que ele ordenou / Eu convido os meus irmãos / Para nós seguir nesta Doutrina / Vamos enfrentar com coragem / Os ensinos da Mãe Divina".

Nas duas estrofes seguintes Raimundo Gomes faz a declaração sobre a espiritualidade de Raimundo Irineu Serra: "Vós sois Príncipe e vós sois Rei / E vós pode se declarar / Porque vós é Jesus Cristo / Que baixou para ensinar / Isto eu digo é porque vi / Não tenho medo de errar / Que quem vive neste mundo / Não tem segredo a guardar".

Em quase todo o hinário de Raimundo Gomes da Silva os espíritos de Jesus Cristo e João Batista dialogam sobre a Doutrina. Num desses hinos, TREZENTOS PEDAÇOS, os dois tiveram outro diálogo. Quando recebeu este hino, Raimundo Gomes perguntou:

- Mestre, o que são os trezentos pedaços?

- Isto são trezentas porqueiras, respondeu Irineu Serra.

Mas a tradução mais precisa está contida na conversa que tiveram e nos ficou registrada no hino. Na primeira estrofe Raimundo Gomes diz: "Eu tenho trezentos pedaços / Aqui para mostrar / O que houver dentro do serviço / Ninguém vá se admirar". O Mestre responde: "Tudo enquanto eu digo / Ninguém quer acreditar / Agora perante a todos / Os espíritos vão falar". E prossegue o Mestre: "Se eu quiser ir eu vou / Se eu não for posso mandar / Tem pessoa suficiente / Para o que eu determinar". Raimundo Gomes responde: "Eu me uno aqui com todos / Me uno mais com a sua pessoa / Que aqui dentro do serviço / É quem me traz as coisas boas". O Mestre reclama: "Já fazem meio século / Que eu trabalho dentro da luz / Quase vou assassinado / Como assassinaram Jesus". E o discípulo consola: "Os estudos que vós tem / Que o Divino Pai lhe dá / Os mesmos assassinos / Não podem lhe assassinar".

E completa: "Que Deus é soberano / Aqui na terra e no astral / Eu confio na Virgem Mãe / Que a si ninguém faz mal". Raimundo Gomes continua reverente: "Eu vivo trabalhando / Para dar o seu valor / Peço que vós me coloque / No jardim de belas flores". E o Mestre conclui: "Siga estes ensinos / Aqui no meu domínio / Você já está bem colocado / Dentro do poder divino".

(...) Quando Jesus veio pela primeira vez, para remir e salvar, os judeus o aguardavam em seu meio. Mas quis Deus que Jesus, de linhagem judia, nascesse numa manjedoura sob os cuidados de um casal pobre materialmente. Até hoje o Messias ainda é esperado e a vinda de Jesus Cristo contestada pelos judeus. Não é surpreendente que Jesus tenha voltado na forma de um homem comum, negro e semi-analfabeto. Sobre isto o discípulo Raimundo Gomes da Silva disse em um dos seus hinos: "Ninguém espere por Jesus Cristo / Que ele venha espiritual / Aqui na terra ele está / Para aqueles que procurar".

Noutro hino, DEUS TODO-PODEROSO, o mesmo discípulo afirma: "Deus, todo-poderoso / Aqui na terra está conosco / Nos mostrando esta divina luz / E o vosso poder / De Jesus Cristo Redentor / Vamos todos meus irmãos / Trabalhar para conhecer este cristão / Que vive no mundo lutando / Para todos receber as instruções". O seringueiro Raimundo Gomes da Silva, que conhecia os mistérios da cabala, foi um exemplo vivo de humildade e convicção da missão que Deus lhe destinou para cumprir junto com Raimundo Irineu Serra. De vida desprendida, a grande lição que nos deixou foi a da humildade diante do próximo e do poder de Deus. "Nós devemos ser só o que nós somos", costumava dizer, citando um dos hinos que recebeu.

No dia 27 de julho de 1986, aos 69 anos, Raimundo Gomes desencarnou nos deixando o sentimento, de acordo com um de seus hinos, de que neste mundo não teve valor, mas que adiante terá. "Sigo sempre o meu destino / Falando o meu idioma / Só não falo português / Porque o povo anda na ronda". O hinário de Raimundo Gomes foi encerrado com o hino VOU COM VÓS, ESTOU COM DEUS: "Meu Mestre me chamou / Para mim seguir com ele / Eu alegre respondi / Vou com vós, estou com Deus / Minha Mãe, minha rainha / A vós eu vou pedir / Na minha separação / Eu com vós quero seguir / Teu lugar está preparado / Foi tu quem preparou / Nos pés do Santo Cruzeiro / Do teu Mestre ensinador". O corpo de Raimundo Gomes da Silva foi enterrado ao pé do Cruzeiro existente na entrada do templo do Alto Santo."

Havendo sido o primeiro hinário a citar a chamada Linha de Arroxim (em seus hinos 02 e 41), "O Ramalho" foi cantado por muitos anos na residência de Wilson Carneiro de Souza quando este pertencia ao Alto Santo, na ocasião do festejo de seu aniversário (18 de julho), quando Raimundo Gomes comparecia com sua equipe de músicos. Quando Wilson Carneiro e Sebastião Mota se desligaram do Alto Santo para criar o Cefluris (Centro Eclético da Fluente Luz Universal) na Colônia Cinco Mil, esse hinário deixou de ser cantado por eles, à exceção do hino 41 que era utilizado nos trabalhos de cura chamando o beija-flor curador do Astral. Continuou entretanto exercendo sua influência histórica em hinários como os de Francisco Corrente e Alfredo Gregório, onde se podem encontrar reminiscências melódicas suas.

Aqui as letras dos hinos de "O Ramalho" podem ser obtidas em formato pdf. Para baixar as mp3 em belíssima gravação de Valsírio Granjeiro, sobrinho de Raimundo Gomes, extraia o download a partir dos seguintes links:

16/05/2007

"O Menino Jesus", de João Pedro


Abrimos este blog com a finalidade de proporcionar um lugar onde a irmandade daimista poderá acessar facilmente os cadernos de hinário com um link para baixar de uma só vez arquivos compactados contendo a letra de todos os hinos e suas correspondentes mp3. Diferentes gravações de um mesmo hinário (em estúdio, ao vivo, apenas instrumental, com um grupo ou outro, etc.) poderão ficar disponibilizados bastando assim que o leitor visitante do blog os busque e faça o download. Existem vários softwares que fazem a transformação de mp3 para formato wav, que é o utilizado para gravar cds, portanto cabe a cada um que se interesse produzir seus próprios cds caso prefira escutar/estudar os hinos nesse formato. Os que desejarem colaborar basta escrever-nos no seguinte e-mail.

Começaremos apresentando o hinário O Menino Jesus, foi recebido por João Pedro, irmão acreano que morou por muitos anos como agregado na residência de Leôncio Gomes da Silva, presidente vitalício do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal após o falecimento do Mestre Irineu.

Durante muitos anos este caderno de hinário esteve por desaparecido, já que após o falecimento de João Pedro não se sabia quem havia ficado por zelador do mesmo. Foi recuperado graças a uma encomenda do Padrinho Wilson Carneiro à pesquisadora Geovânia Corrêa, que localizou a Professora Maria Nunes em sua residência na Estrada de Porto Acre, em Rio Branco, sendo ela a zeladora indicada por João Pedro. O resgate desse hinário, considerado valioso para trabalhos de cura, representou um momento especial na história da Doutrina do Daime, já que significou que não tinham relevância apenas os hinários recebidos por pessoas de maior destaque fosse por cargos hierárquicos fosse por parentesco, pois todos os hinários autênticos eram e são importantes para a instrução dos irmãos fardados.

Aqui disponibilizamos a gravação realizada no estúdio do Irmão Carlos Flora em Votoratim-SP, no dia 27 de Junho de 2002, tendo como no violão-solo nosso querido irmão George Washington Gomes de Souza (neto e filho-de-criação do Padrinho Wilson), violão-base Luiz Gurgel, nos vocais o casal Janaína e Washington. Masterização e maracá: Carlos Flora. Extraiam o download.

A vida do Mestre em poesia


Este pequeno relato
de uma grande história
de uma bonita vivência
de uma firme trajetória
é um sublime apanhado
do que temos na memória

Da verdade que ele trata
nos vem a inspiração
para fazer com humildade
esta simples narração
me utilizando das rimas
para chamar sua atenção

Narrar o que é verdade
este é o desejo meu
do pouquinho que sabemos
de como se sucedeu
a grande passagem terrena
do célebre Mestre Irineu

Cada um tem seu destino
todos sem exclusão
conforme o desígnio de Deus
pela determinação
Mestre Irineu veio ao mundo
cumprir a sua missão

1890
foi o ano em que nasceu
no dia 15 de dezembro
sua mãe o concebeu
São Vicente de Férrer - Maranhão
O nascimento aconteceu

Filho de Sancho Martinho de Matos
e de Joana Assunção Serra
foi ele batizado
nos confins daquela terra
e chamado pelo nome
Raimundo Irineu Serra

Crescia aquele menino
alegre, robusto e saudável
ele muito amado
certamente muito amável
girava naquela família
um sentimento afável

Aos seis anos de idade
nele já despontava
os primeiros indícios
da missão que o aguardava
era quando em sonho uma senhora
a ele disciplinava

É que mesmo ele sendo criança
não podia se exceder
nas peraltices que fazia
coisas que não podia fazer
como arengar com os coleguinhas
e com má criação responder

E quando isso acontecia
não tinha apelação
em sonho uma senhora
lhe pegava pela mão
e para não fazer aquilo
recebia uma lição

Em cima de arroz com casca
ou então de areia quente
ela fazia ele rolar
o castigo era ardente
e depois ela ralhava
com ele fervorosamente

Isto é para você Raimundo
estas coisas não praticar
mesmo sendo você pequenino
mais eu vou te alertar
se repetires novamente
voltarei a te castigar

Quando ele se acordava
se apalpando percebia
o seu corpo dolorido
e no transcorrer do dia
lembrava sempre do sonho
que teve enquanto dormia

O tempo passa vem o moço
de estatura elevada
robusto, belo, formoso
e junto da rapaziada
sua pele enegrecida
não lhe diminuía em nada

Tudo isto reunido
em um jovem bem dotado
fez que logo entre as moças
o jovem fosse notado
e dentro da correspondência
por uma foi cortejado

Naqueles tempos antigos
a coisa era diferente
quem namorava uma moça
já tinha que ter em mente
assumir responsabilidade
casando naturalmente

Foi ele com Paulo
seu tio e bom conselheiro
- Olha tio eu quero casar
e deixar de estar solteiro
mas a sua opinião
eu quero escutar primeiro

-Olhe bem aqui sobrinho
e preste bem atenção
a coisa é muito séria
não é brincadeira não
para casar és muito moço
esta é minha opinião

- Vai até São Luís
e procure se alistar
no grupo que vai para a Amazônia
na seringueira trabalhar
quando voltar desta viajem
estará pronto para trabalhar

-Assim ganhe algum dinheiro
para depois não estar aflito
cortando a tal da seringueira
pois o que o povo tem dito
que lá se ganha tanto dinheiro
que se puxa de cambito

Havia dois alistamentos
teve ele que optar
ir para a guerra ou Amazônia
na seringueria trabalhar
se for para a guerra vou perder
a vida que Deus me dá

Se despediu da família
e do povo hospitaleiro
levando na sua bagagem
o espírito aventureiro
munido de muita coragem
e desprovido de dinheiro

Pelo mar, depois por rios
cortando florestas e cidades
foram meses de viajem
vencendo dificuldades
lembrando sempre da família
de mamãe muitas saudades

Vencido os obstáculos
ele chegou até aqui
passando por rio Branco
seguiu por Xapuri
contemplando as barrancas
das aldeias do Aquiri

Em Xapuri apresentou-se
ao seu primeiro patrão
este dele afeiçoou-se
com grande admiração
principalmente da estatura
que tinha aquele rapagão

- Puxa, que homem forte
disse o homem alegremente
me dizes de onde tu vens
pois receio certamente
que além de muito forte
deves ser inteligente

- Eu venho do Maranhão
pois foi lá onde nasci.
retrucando o patrão
disse - eu logo vi
com os maranhenses que tratei
burro nenhum conheci

- E agora para confirmar
o que estou a te dizer
pois tenho quase certeza
mas você é quem vai responder
me diga aí seu moço
sabe ler e escrever?

Coitado do Irineu
ficou todo embaraçado
sequer em banco de escola
o mesmo havia sentado
e agora o quê responder
mediante o apanhado?

Falando consigo próprio
foi logo pensando ligeiro
E se o homem não conhece
do meu Maranhão brasileiro
gente que seja burro
não é justo eu ser o primeiro

Aí nesse embaraçado
dentro deste pensamento
disse: - eu sei ler sim senhor
com grande constrangimento
pois não era o que ele fazia
e ali havia mentido (mentir e ter fingimento)

Disse o homem: - siga em paz
agora vou te encaminhar
para dentro da colocação
onde você vai ficar
adonde estão as estradas
de seringa para cortar

Logo que pegou o caminho
Rumo à colocação
foi se batendo consigo mesmo
fazendo a reflexão
a respeito da mentira
que dissera ao patrão

E agora se o homem
me chamar para escrever
para ele algumas linhas
e o que é que eu vou fazer?
de repente veio o toque
não sei, mas vou aprender

Seringueiro trabalha seringa
seringalista é o patrão
a sede do seringal
era chamada barracão
e o seringal dividido
colocação em colocação

Também tinha o noteiro
que trabalhava para o patrão
no prazo de alguns dias
ia a cada colocação
vendo o que tinha e o que faltava
e anotando a produção

Logo na primeira visita
o noteiro foi chegando
foi logo dando bom dia
alegre se apresentando
na colocação de Irineu
e o principal foi anotando

Antes deste despedir-se
Irineu pôs-se a falar
vê se o sr. encontra
eu quero encomendar
uma carta de abc
para quando o sr. voltar

Eu sei aonde encontrar
disse o homem com firmeza
você pode ficar tranquilo
que te farei a fineza
e quando eu retornar
eu te trago com certeza

Com o papel de embrulho na mão
Irineu pediu ao noteiro
antes do senhor sair
me escreve aqui primeiro
bem em cima deste papel
o meu nome completo e inteiro

Raimundo Irineu Serra
sem nenhuma letra faltar
quando o homem saiu
já se pôs a rabiscar
o seu nome ali escrito
procurando imitar

A primeira tentativa
ficou meio lá e meio cá
mas com a continuação
começou a melhorar
e toda folha de papel
lutou até completar

Assim ficou esperando
até que o noteiro voltou
quando o homem foi chegando
Irineu logo perguntou
e a carta de ABC
me diga se encontrou

- Eu encontrei sim senhor
está aqui na sua mão
- Muito obrigado senhor
sou grato de coração
agora peço ao senhor
que me dê uma lição

E foi somente uma lição
dada pelo noteiro
depois foi ele sozinho
se dedicando inteiro
estudando e labutando
no trabalho seringueiro

E não é que aprendeu
e um dia o patrão
aquele mesmo que exaltara
o povo do Maranhão
lhe chamou e lhe pediu
- me faz uma anotação

Como ele aprendera
se sentiu bem à vontade
assim mantendo o padrão
da sua integridade
até mesmo da mentira
teve que fazer verdade

Um dia sem esperar
Chega na sua colocação
um alegre desconhecido
naqueles ermos então
era o senhor Antônio costa
um autêntico regatão

Fez-se hóspede de Irineu
primeiro por uma semana
dividindo os espaços
daquela humilde choupana
firmaram entrosamento
e uma amizade bacana

Numa destas hospedagens
em conversa descontraída
Antônio disse: Irineu
ouço falar de uma bebida
que se toma no Peru
para mim desconhecida

Tudo quanto eu sei
é o que ouço falar
que lá se toma uma bebida
para o diabo invocar
e a ele pedir riquezas
e um pacto formar

Ganhar dinheiro na seringa
era pura ilusão
o seringueiro trabalhava
em regime de servidão
bancando as suas despesas
e devendo sempre ao patrão

Foi quando Irineu pensou
vou é tomar esta bebida
esperei tanto de Deus
e nada eu tenho na vida
quem sabe se o demônio
traz a graça merecida?

Olha aqui Antônio Costa
você sabe me dizer
onde se acha essa gente
agora eu quero saber
e se souber então me leve
a bebida eu quero beber

É só cruzar aqui o rio
eu vou contigo na viajem
com você até me atrevo
pois eu sei que tem coragem
eu sei também o dia certo
que eles fazem a beberagem

No dia determinado
a fronteira então cruzaram
na floresta peruana
a tardinha adentraram
e com o chegar da noite
a caboclada avistaram

Perguntaram se podiam
com eles participar
já com tudo acertado
ficaram a aguardar
até que chegasse a hora
esperada para tomar

O chá servido em cuia
um tanto bem reforçado
depois que todos tomaram
Irineu ficou de lado
a tudo observando
esperando o resultado

Gritando por Satanás
estavam todos no efeito
Irineu pensou assim
Eu em forma de respeito
como eles vou gritar
chamando do mesmo jeito

Mas só avistava cruzes
era tanta cruz chegando
no meio de tanta cruz
estava se sufocando
foi quando se apercebeu
com o entendimento chegando

O diabo foge da cruz
assim eu ouço falar
e com esse entendimento
começou a melhorar
e ali somente com ele
uma voz veio falar

Tu quer ver o Maranhão?
olhas aqui vou te mostrar
e ele já estava vendo
como se estivesse lá
podendo ainda dizer
aonde queria olhar

Foi mostrando outros lugares
e terminando a beberagem
ele ficou impressionado
e já voltando de viajem
contou a Antônio Costa
o que vira na miragem

- Olha aqui Antônio Costa
eu te digo felizmente
o demônio não apareceu
mas só se foi para aquela gente
pois graças a Deus para mim
a coisa foi diferente

Ficou com aquilo na mente
e perguntou-se por um momento
- como será que os caboclos
fazem aquele cozimento?
Vou perguntar ao Antônio
se ele tem conhecimento

Com o cipó e uma folha
o cipó é machucado
depois junto com a folha
e a água é cozinhado
foi o que disse Antônio Costa
assim que foi perguntado

Mas Irineu quis saber
se Antônio conhecia
o tal cipó e a tal da folha
se por ali havia
e lhe mostrar aonde tinha
se era que ele sabia

Eu conheço Irineu
aqui tem em todo lugar
é só você ir na mata
procurando vai achar
logo aqui bem pertinho
venha que vou lhe mostrar

Aqui está o cipó
e a folha está acolá
é como eu disse a você
e com certeza pode olhar
que aqui tem em toda parte
é só você procurar

Logo no dia seguinte
Antônio tinha que partir
pois na luta do comércio
ele tinha que prosseguir
em breve retornaria
disse ao se despedir

Estando Irineu sozinho
veio a intuição
dele próprio ir na mata
munido da intenção
colher um pouco de cipó
e da folha outra porção

Assim ele procedeu
seguiu a indicação
machucou bem o cipó
juntou a folha então
cozinhando direitinho
na panela do feijão

Quando o chá ficou pronto
se preparou para beber
mas logo veio o receio
fácil de compreender
é que ele estava sozinho
sem ter a quem recorrer

Corrigiu o pensamento
e resolveu aguardar
a volta de Antônio Costa
e quando este retornar
aí sim junto com ele
a bebida eu posso tomar

Aí ficou esperando
a volta de Antônio Costa
quando este retornou
Irineu fez a proposta
para o amigo Antônio
que deu não como resposta

-Ah! Eu não! - disse ele
se der errado o efeito
não conheço este chá
e você do mesmo jeito
e eu tenho até medo
por isto é que eu rejeito

- Rapaz, tu não diz que é homem
e agora quer correr?
Irineu bem sabia
como ao amigo convencer
bastava assim perguntar
para Antônio responder

Eu sou homem sim senhor
e para ninguém duvidar
a hora que você quiser
é só você me chamar
para tomar a bebida
eu vou te acompanhar

E ainda naquela noite
tomaram o cozimento
depois se acomodaram
cada um num compartimento
confiando um no outro
em silêncio para o momento

Alguns instantes depois
o silêncio é quebrado
com Antônio Costa falando
para Irineu do outro lado
- estou vendo uma mulher
que quer te mandar um recado

- E quem é esta mulher
que está na tua visão?
- Ela diz que se chama Clara
é bonita de feição
e que embarcou contigo
quando saiu do Maranhão

Irineu buscou consigo
procurando se lembrar
se conhecia alguma Clara
pois não vira embarcar
nenhuma mulher no navio
que viera a navegar

Mas isto não importava
e Irineu animado
pediu então a Antônio
que passasse o recado
quem poderia ser Clara
estava interessado

É para na quarta a noite
a bebida você tomar
aguardar por um momento
e quando o efeito chegar
ela vem pessoalmente
contigo te encontrar

Com muita ansiedade
aguardando com alegria
esperando o momento
que chegasse logo o dia
para se encontrar com Clara
que ele não conhecia

Aí nasce então o dia
a quarta feira marcada
um dia resplandecente
uma tarde ensolarada
um ocaso maravilhoso
e uma noite enluarada

E com o chegar da noite
ele logo se preparou
bem à beira da cabana
a sua rede atou
e conforme combinado
a bebida ele tomou

Deitou-se na sua rede
escutando com leveza
na sua meditação
os sons que vêm da natureza
que quebravam o silêncio
com um toque de beleza

Era noite de lua cheia
que a floresta prateava
ali mesmo na sua rede
deitado aonde estava
pela clareira da floresta
a lua ele fitava

Com todo este panorama
e o efeito do chá chegando
e ele mirando a lua
que vinha de lá baixando
vindo em sua direção
muito se aproximando

No meio da lua estava
em um trono colossal
sentada uma senhora
de face celestial
tudo nela reunia
a beleza divinal

Ela levantou-se do trono
e dele se aproximou
sou eu que me chamo Clara
assim se apresentou
e sem mais argumento
ela a ele perguntou:

-Tu achas que sou Satanás?
não senhora, respondeu com energia
Deus me livre, isso jamais
da senhora eu pensaria
nas palavras das respostas
a firmeza ela sentia

E se eu não sou Satanás
quem tu achas que eu sou afinal
e ele bem refletindo
juntando o quadro geral
respondeu com convicção:
- para mim és uma Deusa Universal!

Ela sorriu graciosamente
e disse:- vim te entregar
uma coisa grandiosa
que é para poder chegar
ao alcance das suas mãos
você vai se preparar

Sete dias ficarás
em dieta determinada
em água e macaxeira
que não pode ser salgada
tomando sempre a bebida
na hora mais indicada

Tudo que eu quero que faças
não vai te atrapalhar
a tua luta diária
você vai continuar
receberás instruções
até quando trabalhar

Para cozinhar a macaxeira
arranjou um companheiro
alertando direitinho
que não podia haver tempero
e na dieta determinado
entrar no dia primeiro

Tomou a bebida bem cedo
conforme a determinação
depois saiu nas estradas
de seringa da colocação
cortando as seringueiras
em profunda meditação

Depois veio o seguindo dia
procedendo do mesmo jeito
aprofundando as visões
que vinham em maior efeito
com grandes ensinamentos
formando um bom conceito

Veio o terceiro dia
chegando com o raio
e eis que dentro do trabalho
alguém veio avisar
agora neste momento
teu companheiro quer te enganar

É que ele quis testar
Se você está aprendendo
alguma coisa com esta bebida
e quase ia cometendo
quis pôr sal na macaxeira
mas acabou reconhecendo

Depois ele disse ao companheiro:
- não faça isto nem de brincadeira
você pensou colocar sal
dentro da minha macaxeira
não brinque com a história
que a história é verdadeira

- Foi mesmo Irineu
Disse o homem confessando
vejo que está aprendendo
está até adivinhando
vá em frente companheiro
disse ele se desculpando

Não precisou tomar Daime
do quarto dia em diante
a força lhe acompanhava
a toda hora e todo o instante
sempre dentro da seqüência
daquele apuro constante

Tudo ficou manifesto
em plano superior
os galhos das grandes árvores
contorciam com vigor
querendo lhe abraçar
o que fez sentir pavor

Tudo tudo que havia vida
de forma mais ampliada
E ele ali sozinho
enfrentando a parada
valeu-se do estampido
detonando a espingarda

O tiro era para o alto
o estrondo altaneiro
ali dentro do apuro
estremecia o mundo inteiro
dissipando todo o medo
dando conforto verdadeiro

De vez em quando na estrada
de seringa ele avistava
algo como uma saia
mas que logo adentrava
para dentro da floresta
e isto o incomodava

Pois nem saia de mulher
poderia avistar
mulher seria difícil
aparecer naquele lugar
e que história era essa
ficou a se perguntar

E chegou o sétimo dia
trazendo mais conhecimento
era o fim do apuro
chegando naquele momento
e tudo se aproximando
trazendo esclarecimento

Foi quando veio a senhora da lua
e disse com devoção
- olha eu sou tua mãe
a Virgem da Conceição
te acompanhando desde pequeno
quando nasceu no Maranhão

E ele então recordou-se
buscando na sua lembrança
do sonho que tivera com ela
no tempo em que era criança
ali estava a Virgem Mãe
Rainha da Esperança

Ela disse: - está pronto
agora posso te entregar
o mundo está em suas mãos
para você doutrinar
simbolizado nesta laranja
que agora vou te repassar

Ninguém antes agora de ti
conhecia esta luz
que está dentro da floresta
e que o saber conduz
com ela está replantada
a doutrina de Jesus

Esta é a estrada
por onde vais percorrer
aliando o entendimento
procurando compreender
fazendo-se a si próprio
buscando a luz do saber

E assim com a doutrina
reunirás um batalhão
pregando sempre o amor
esta é a sua missão
doutrinar o mundo inteiro
com a bandeira na mão

Depois então da entrega
já a ele atribuída
de dar encaminhamento
ao que tinha recebido
disse-lhe então a Rainha
me faça qualquer pedido

Me faça um grande curador
para curar a humanidade
livrar o povo da dor
é tanta calamidade
este é o meu desejo
um pedido de verdade

Você vai ter muito trabalho
em todo o tempo e em toda a hora
não podendo ganhar dinheiro
disse assim Nossa Senhora
terá que fabricar remédios
se assim me pedes agora

E será que a Senhora
não poderia colocar
tudo dentro da bebida
que veio me entregar
para curar todo aquele
que venha me procurar?

Pois meu filho está feito
conforme o teu pedido
agora segue o teu caminho
sempre bem atribuído
sempre te acompanharei
assim fica decidido

Daquele momento em diante
seguiu o caminho em frente
tudo quanto se passara
falava forte em sua mente
a lembrança do encontro
estava sempre presente

Com base no recebido
da Virgem de Nazaré
junto com os irmãos
sendo o Antônio e o André
fundaram em Brasiléia
o Centro de Regeneração e Fé

Mas todos já eram sabidos
e não conseguiram entender
o verdadeiro objetivo
que continha o saber
e então logo se perderam
na tal guerra de poder

Então ele disse até logo
porque isso não combina
com o que diz a minha mãe
professora que me ensina
fiquem com a confusão
eu fico com a doutrina

Seguiu a sua jornada
como operário trabalhou
também na Comissão de Limites
aonde se destacou
em Rio Branco a guarda territorial
ele também incorporou

Assentou-se na Vila Ivonete
Conforme a indicação
Ali então iniciou
uma nova reunião
que traria os discípulos
pioneiros da missão

Chegou José das Neves,
Germano e os Gomes então
mais João Pereira, Percília Matos e Maria Damião
Estava assentada a pedra
fundamental da missão

No início não tinha hino
era tomar Daime e concentrar
e só prestando atenção
é que poderia notar
que o Mestre solfejava
para a força chamar

A Rainha na miração
disse a coisa vai desdobrar
cantando esta doutrina
você vai apresentar
- como minha mãe?
nem tenho voz para cantar!

Você pode sim senhor
faça o que estou mandando
vamos abra logo a boca
a condição estou te dando
e quando ele obedeceu
já foi logo então cantando

No início com três hinos
Fazia-se qualquer trabalho
cantava depois repetia
ainda tinha intervalo
atravessando toda a noite
linha reta sem atalho

Depois o Germano Guilherme
hinos também foi recebendo
seguido de Antônio Gomes
eram os ensinos descendo
depois João Pereira e Maria Marques
e a doutrina foi crescendo

Veio a organização
junto com o desenvolvimento
justo pela necessidade
veio o consentimento
para se instituir
o primeiro fardamento

Semelhante a farda de um marinheiro
se fardava a irmandade
para fazer os trabalhos
que cresciam em notoriedade
e também crescia Rio Branco
a Vila Ivonete esta cidade

Foi quando o Mestre sentiu
que tinha que adentrar
para dentro da floresta
aonde iria buscar
no aconchego da mata
força para continuar

Com a influência que tinha
conseguiu um bom lugar
afastado da cidade
terra boa para plantar
uma gleba suficiente
para a comunidade assentar

Alto da Santa Cruz
Ele chamou este lugar
para logo depois mais tarde
com outro nome batizar
Alto Santo ele chamou
para a terra consagrar

E assim no Alto Santo
o trabalho cresceu com vigor
vinha gente da cidade
pedindo cura por favor
o que valeu a Mestre Irineu
a fama de curador

Se firmou no Alto Santo
uma pequena comunidade
morava perto do Mestre
boa parte da irmandade
a base da agricultura
suprindo a necessidade

Ali ele era tudo
era delegado era doutor
todo o mundo o procurava
quando sentia alguma dor
era pai de todo mundo
e grande pacificador

Tratava todos com alegria
sempre com muita lealdade
não negava em qualquer momento
de prestar a caridade
tratando com gentileza
sempre dentro da igualdade

Ele não era de discursar
e das poucas vezes que discursou
chamando a nossa atenção
em tudo que expressou
para aqueles que tomam Daime
foi assim que ele falou

Olha gente quando tomarem Daime
procurem então adentrar
para dentro de si próprio
e não queiram viajar
procurando fora de si
porque não vão encontrar

Mergulhem dentro de si mesmo
no caminho interior
corrigindo seus defeitos
encontrando seu valor
reconhecendo dentro de si
a presença do Criador

Outra vez ele também disse
sem perder a humildade
olha eu sou o espelho
perante a irmandade
façam como eu faço
seguindo nesta verdade

E de vez em quando em sua sala
conversando animadamente
fazendo algumas previsões
do que viria na frente
referente a sua doutrina
falando para sua gente

Isso aqui vai virar uma matinha
quando eu me ausentar
se referindo às divisões
que haveriam de se dar
depois de sua passagem
que haveria de chegar

E quando ele disse isso
Alguém logo lhe perguntou
e o senhor com quem fica
respondendo afirmou:
- eu fico com todos
com firmeza expressou

Doutra vez noutro diálogo
ele disse com clareza
que quando desencarnasse
disso ele tinha certeza
e sobre esta passagem
ele disse com firmeza

Quando eu sair deste mundo
tenho fé na mãe divina
que continuarei atendendo
aqui dentro da doutrina
do mesmo jeito ou melhor ainda
com esta luz que ensina

Quando ele falava nisso
estremecia a irmandade
mas ele a todos confortava
com palavras de bondade
não é o que voces estão pensando
e nem é minha vontade

Olha, vocês que estão comigo
eu estou bem ofertando
olhem, cuidem de aprender
como eu vou ensinando
que um dia o Santo Daime
é só para quem vem chegando

Ele nomeou o Leôncio
para presidir a sessão
para quando se ausentasse
aqui deste mundo chão
e ele mesmo do astral
comandaria a missão

Já com tudo definido
vem o dia determinado
06 de julho de 71
assim fica registrado
o passamento do Mestre
neste dia consumado

Chorava toda Rio Branco
chorava a irmandade
a perda do grande pai
do amigo de verdade
que agora nos assiste
no Reino da Eternidade.

(poesia de Saturnino Brito do Nascimento)