30/08/2007

O "Caboclo Guerreiro" do Padrinho Corrente

Padrinhos Sebastião e Corrente em foto(s) de Marco Gracie Imperial

O velho Manoel Corrente contava que havia entrado para o Cefluris por ordem do próprio Presidente do Ciclu, Leôncio Gomes, e da viúva do Mestre, Madrinha Peregrina. Nascido em Corrente, no Piauí, e vindo para os sertões do Rio Iaco, no Acre, na década de 1930, para trabalhar com a extração do látex da seringa, ele conheceu pessoalmente o Mestre Irineu mas não chegou a tomar Daime com ele: foi apenas depois do filho Francisco começar a participar do Alto Santo, em novembro de 1971, já quando Leôncio Gomes ocupava a direção dos trabalhos, que Manoel Corrente ingressou nas fileiras do centro. Em 1974, após a separação havida por parte dos fundadores do Cefluris, ele foi ter com os dirigentes do Alto Santo para pedir aconselhamento e eles recomendaram que ele e sua família ficasse ao lado de Sebastião Mota de Melo para apoiá-lo em seus trabalhos. Assim, a família Corrente, qual verdadeiro clã conjuntamente com as famílias Mota e Carneiro, passou a ser um dos alicerces espirituais do Cefluris.

Além dos filhos (Francisca, Dalvina, Albertina, Francisco, João, José, Maria e Raimunda) com a esposa Dona Maria, Manoel Corrente foi também pai adotivo de duas crianças mais velhas que haviam perdido a mãe tragicamente na vida do seringal, o que demonstra a prevalência de seu coração paternal muito antes de conhecer a Doutrina. No Cefluris, quando o pessoal do Padrinho Sebastião foi abrir sua colocação no Seringal Rio do Ouro, foi comandante da comunidade na Colônia Cinco Mil antes desta passar para a direção do Padrinho Wilson. Depois disso foi um dos fundadores do Mapiá, e nos anos noventa, havendo falecido o Padrinho Sebastião, ficou como seu representante perante a irmandade, só não viajando o tanto que gostaria pelos demais centros por motivo da idade avançada que fazia dele o mais velho morador do Céu do Mapiá.

Em homenagem ao Padrinho Corrente, assim escreveu Antoine Yan Monory:

Ele era uma pessoa de disciplina, que não gostava de ver as pessoas brincar com a espiritualidade, sendo que ele era um esteio espiritual importante da Corrente de Luz da qual participava. Temos uma lembrança querida deste nosso velho, sendo que foi ele, quando das primeiras vezes que nos deparamos com o Sagrado Feitio do Daime, que nos ensinou a cuidar das folhas da Rainha, com todo carinho e atenção "como há de ser". Era lavando, várias lavagens, fiscalizando de alguma forma a catação das mulheres, na força das águas doces, sob a luz do Sol ou do luar, e a luz do Divino Mestre... Foi ele quem zelou mesmo das folhas, durante muitos anos, pondo-as aconchegadas nas folhas de bananeira, as regando sempre, por vezes escondidas em recantos discretos sob a sombra fresca da verde e amorosa floresta. Isto há de ser lembrado!...

Ele falava uma coisa muito boa para nós lembrarmos agora, sendo quase um hai-kai taoísta (uma frase ou idéia curta, de caráter enigmático, tendo um significado espiritual para destrinchar), de que QUEM ESTÁ CERTO ESTÁ ERRADO, E QUEM ESTÁ ERRADO ESTÁ CERTO.
Podemos relacionar isto com a temática das normas de ritual, ou das formas "certas" ou apropriadas de agir de modo geral, e assim às vezes uma pessoa parece estar "errada" mas está certa porque está seguindo o seu coração, a sua intuição, o seu próprio destino...

Nos últimos tempos da sua vida, estando doente materialmente, ele pode visitar e receber ajuda da casa da Irmã de Caridade Francisca Gabriel, como é chamada, e assim comprovando o valor de uns para com os outros... Ele gostou de lá, e falou que o Mestre era único!


Este humilde "Mestre", na sua Linha, estava justamente lutando para a sua saúde, e ele não queria e não achava que era o momento de partir ainda, até pouco tempo antes do seu desencarnar. Eram desta forma sempre realizados muitos trabalhos de cura e atendimentos para ele. Porém, dentro desta luta, ele chegou num ponto em que decidiu ir mesmo...
Foi antes do São José de 1996, e ele foi chamando as pessoas, uma por uma, falando que era para parar de rezar para ele ficar, que era a sua hora... Mas não foi neste dia ainda, de São José, e ele até teve uma melhora. Passou alguns dias ele recolhido, como sempre bem lúcido em todos estes tempos, comunicando as suas últimas diretrizes e mensagens de Luz.

Chegou o dia de Sábado, ele olhou para a luz do dia e falou: - "Que dia bonito, eu quero ir é hoje!...", e estava dando um céu azul especial, bonito mesmo. Ele ficou olhando o tempo todo pela janela. Chegou uma pessoa próxima, se atuou, começou a cantar, e ele começou a cantar também os seus hinos. Cantou o "Caboclo Guerreiro", e ele foi assim mesmo, cantando com força e com fé, na sua passagem de Mestre (se fala que na mesma hora alguém soltou um foguete na vila...). Esta é digna de ser comparada às passagens dos Mestres orientais, que desencarnam de forma consciente, em "sámadhi", ou êxtase místico... sendo no caso do Daime, este mesmo "sámadhi" alcançado através dos hinos. Esta passagem é própria também dos "homens de poder", como os anciãos, os velhos xamãs das tribos norte-americanas, por exemplo, os quais sabem e podem escolher o melhor dia para atender o chamado do "mundo dos espíritos".


Este nobre homem nasceu o dia de São Miguel, em 1911, e desencarnou num Sábado, dia também de São Miguel na semana, o dia 23 de Março, dentro do período da Quaresma. "

Maria Alice Freire, responsável pela casa de cura que leva o nome do Padrinho Corrente na Vila Céu do Mapiá, relata a participação fundamental do "Vô Corrente" na abertura dos trabalhos de umbanda no âmbito do Cefluris:

Quando eu cheguei no Mapiá, que o Padrinho Sebastião mandou eu ir para a mata, abrir uma clareira lá junto com o Vô Corrente, para poder chamar os caboclos para curar os doentes, aquilo me surpreendeu, porque eu pensava... Não só pensava, como disse a ele: "Mas, Padrinho, para que o senhor precisa de caboclo? O senhor já tem tudo: já tem a Luz, a Verdade, a Justiça, a Sabedoria, o Amor, tudo na sua mão". Ele disse: "Mas eu preciso dos caboclos, minha filha! Porque meu povo não tem capacidade de acompanhar a luz do Daime e os caboclos é que vão me ajudar a limpar o canal do meu povo, para ele poder acompanhar a luz do Daime". Então, essa clareza ele me deu da dimensão exata daquele trabalho – conforme foi que os caboclos fizeram comigo: essa limpeza, esse aparelhamento, essa compreensão, essa caridade. Tudo isso que é um bê-a-bá muito simples: a pessoa se entregar ali na mão daquela entidade, para ela vir aparelhar e fazer a caridade. O trabalho com o pensamento, tudo isso é o bê-a-bá da história: a fé, a entrega, a caridade; a humildade que é preciso ter, porque se a pessoa se engrandece, aparelha outras coisas que não são os guias de cura, que são aqueles trapaceiros, aqueles embusteiros que vêm. A pessoa já tendo aquela instrução de base, quando entra no Daime, já tem mais condições no plano material dela para poder lidar com tudo aquilo. O Padrinho também tinha isso, também se desenvolveu numa banca espírita, já trabalhava com os guias dele de cura antes de chegar no Daime – então ele tinha essa clareza, de como isso facilita a vida da pessoa dentro do Daime. Muitas vezes a pessoa vai dentro do Daime se conhecer, vai saber que já tem relação com aquelas falanges e entidades de outras vidas, então já traz de outro tempo aquela missão. Tudo o Daime vai nos ensinar: a aparelharmos o nosso Eu Verdadeiro, o nosso Eu Superior, que é o principal e único verdadeiro aparelhamento que devemos conservar para sempre, né? O resto, são tudo alianças espirituais.

São os seguintes os hinos ofertados ao Padrinho Corrente que compõem o caderno intitulado "Caboclo Guerreiro" narrando um pouco da trajetória espiritual desse bravo guerreiro, trabalhador das matas, chamado Manoel Corrente da Silva:

01 - Saí por uma Estrada (Graça Nascimento)
02 - Peço e Rogo (Madrinha Maria Corrente)
03 - Balança do Julgamento (Regina Pereira)
04 - Beija-flor (Ângela Pimenta)
05 - Rainha da Luz (Luiz Lopes)
06 - Caboclo Guerreiro (Eduardo Ferreira)
07 - Santo Deus (José Kleuber)
08 - O Relho (Nonato Teixeira)
09 - Eu Peço (Isabela Coutinho)
10 - Com Jesus (Paulo Roberto)
11 - Minha História (Alex Polari)
12 - Grande Estudo (Vera Gall)
13 - Peço Força a meu Pai (Maria Cristina Santos)
14 - Vim Apurar (Beto)
15 - Comparecer (Fausto)
16 - Vamos Agradecer (Edimar)
17 - Corrente (Baixinha)
18 - Como eu amo o meu Padrinho (Baixinha)
19 - Caboclo Estrada Frente (Maria Alice)
20 - Sou o Daime (Neiva)
21 - Construção do Templo (Vera Fróes)
22 - Chuva Divina (Bernardo Albino)
23 - Alerta Geral (Joaquim Carvalho)
24 - Caboclo Afirma o Ponto (Cecília)
25 - Linha de Umbanda (Vera Apolônio)
26 - Bom Curador (Susana)
27 - Estrela do Oriente (Beatriz Vidal)
28 - São Miguel (Cristina Motta)
29 - Cruzeiro Iluminado (Eduardo Gabrich)
30 - Viva o Padrinho (Pedro Malheiros)
31 - Silêncio (Manoel Paulo)
32 - Luz do Espírito Santo (Noêmia Cotrim)
33 - Guerreiros do Amor (Joana Palhares)
34 - Caboclo Bom (Elisabete)
35 - Vou Chamar (Nonato Teixeira)
36 - O Velho (Alessandra)
37 - Festa de São Miguel (Maria Brilhante)
38 - Mais Um (Padrinho Alfredo)
39 - O Plantar e Colher (Júlio César)
40 - Estrela Guia (Luciana Rocha)
41 - Grande Rei (Luiz Roque)
42 - Irmãos em Cristo (Gilda Guilhon)
43 - No Infinito do Espaço (Sônia Palhares)
44 - É Pra Você (Conceição Carvalho)
45 - Quebra Demanda (Conceição Carvalho)

Para baixar as mp3 do hinário "Caboclo Guerreiro", em gravação especial na Vila Céu do Mapiá, clique em:


Conheça também a obra da Santa Casa de Cura Padrinho Manoel Corrente, e seja mais um colaborador!...

22/08/2007

"O Peregrino" na residência do Padrinho Nonato

Nonato Teixeira no velório do Mestre Irineu

São Francisco de Assis, fundador da ordem religiosa dos franciscanos, nasceu na cidade de Assis, na península itálica, em 1182 e faleceu a 4 de outubro de 1226. Filho do rico comerciante Pedro Bernardone e Joana Picá de Boulermont, foi batizado a princípio com o nome João (Giovanni), mas Bernardone resolveu mudar o nome do filho para Francisco rendendo homenagem à França que o enriquecera e lhe despertava a sede de nobreza. Francisco associou-se aos negócios paternos, mas com sonhos de explorações cavaleirescas e revolucionárias, luta contra a Prússia e, depois (1206), dedicou-se inteiramente ao serviço de Deus. Viveu , a princípio, como eremita, mas rodeou-se, depois, (1208/1209), de discípulos decididos a viver com ele na pobreza evangélica. Em 1210, o Papa Inocêncio III aprovou a regra franciscana. Em 1212, com Santa Clara, Francisco fundou a Ordem das Clarissas. Doente, assistiu ao IV Concílio de Latrão e obteve a colocação de uma indulgência especial, dita da "Porciúncula". Em 1220 regressa do Egito a fim de providências modificações introduzidas na ordem por seus vigários; pediu demissão do ministério geral, mas continuou sua prédica fraternista. Em 1221, fundou a Ordem Terceira Franciscana: modificou sua regra duas vezes a pedido de Roma. Em 1224, recebeu em Alverne os estigmas do Cristo. Já moribundo, compôs o poema "Cântico ao Sol". Tendo vivido uma existência de profunda compreensão à natureza, a Igreja Católica, menos de dois anos após seu falecimento resolveu canonizá-lo como São Francisco de Assis. No meio do sertão cearense, em Canindé, recebeu a consagração popular de São Francisco das Chagas de Canindé, festejado a 4 de outubro.

Maria Helena Cardoso nos conta um pouco sobre essa rota dos peregrinos nordestinos: Canindé, no meio do sertão do Ceará, é um centro regional de peregrinação, onde está o santuário-basílica de São Francisco das Chagas. O culto remota ao início do século XVIII, quando os franciscanos, em suas viagens de apostolado pelo Norte e Nordeste, agremiaram os fiéis na Ordem Terceira de São Francisco das Chagas do Recife. Por volta de 1775, foi principiada a construção de uma igreja, à margem do Rio Canindé, cujas obras demoraram até 1796, quando se inaugurou o Santuário com a chegada da imagem do padroeiro. Em 1817 é criada a paróquia. Em 1898 o bispo de Fortaleza confia o santuário aos capuchinhos que levantaram o atual templo de 1910 a 1915. Os franciscanos da província de Santo Antônio assumem a administração em 1923, continuando até o presente. O santuário é elevado à Basílica (1925/1926). O tempo atual de romarias se estende de agosto até fins de dezembro, sendo estas especialmente numerosas durante a novena de São Francisco e preparação à festa do padroeiro, a 4 de outubro. Costumes peregrinos de origem remota ainda perduram nesse santuário, como o uso de mortalha como hábito franciscano para os romeiros e também o sacrifício de cabelo como símbolo de fecundidade-costume que remonta aos nossos antigos índios, tendo sido aos poucos assimilado e cristianizado. Durante a novena e festa, os peregrinos chegam a 35 mil por dia, e realiza-se todas as tardes com o painel do santo taumaturgo; muitos romeiros cumprem suas promessas nessa ocasião, carregando, por exemplo, pedras sobre a cabeça, andando descalços e de joelhos, com cruzes ao ombro, caminhadas de centenas de quilômetros, etc. O número de caminhões, durante os dez dias da novena, chega a 85 mil, fora outros meios de transporte.

É durante todo o ano que o município de Canindé recebe devotos de São Francisco de Assis. Uns vão demonstrar a gratidão pelas graças alcançadas. Outros estão ali pela primeira vez, fazendo seus pedidos, além daqueles que estão lá mais uma vez em busca de uma nova graça. No entanto, é em outubro - mês dedicado ao santo - que a ida e vinda de fiéis realmente ganha força. Nesse período, a cidade recebe cerca de dois milhões de visitantes, cearenses e de outros estados, muitos dos quais fazendo a travessia a pé. Por todo o dia, as celebrações dividem-se entre a Basílica de São Francisco das Chagas, a igreja de Nossa Senhora das Dores e a Cristo Rei. Vale destacar que a devoção do público fez com que o Vaticano reconhecesse a igreja como Basílica, status reservado apenas aos principais destinos de peregrinos cristãos do mundo.

Em 1978, a fim de pagar uma promessa ao Santo de devoção, o padrinho Wilson Carneiro de Souza e sua esposa a madrinha Zilda Teixeira, viajaram ao Canindé, no Ceará. Também visitaram os parentes do Padrinho Wilson na antiga Freguesia de Riacho do Sangue, hoje Jaguaretama, terra natal também do ilustre médico introdutor do espiritismo kardecista no Brasil, Adolfo Bezerra de Menezes. Dessa viagem foi que, em sua passagem por Belém do Pará, o casal recebeu em adoção o neto George Washington que lá nascera.

Essa devoção dos pais ao São Francisco das Chagas foi certamente determinante para que, anos mais tarde, seu filho caçula, Raimundo Nonato (nascido em Tarauacá - Acre, em 14 de Julho de 1949) desse a seu hinário o nome de "O Peregrino". Conta o site União Estrela Guia que o Padrinho Nonato iniciou seus trabalhos no Santo Daime com a idade de 13 anos, havendo convivido com o Mestre Irineu por mais de 9 anos (de 1962 a 1971). Comerciante, assim como o pai, o Padrinho Nonato se casou bem jovem com Maria das Graças Nascimento, a Madrinha Graça, já sendo homem casado e pai na época do falecimento do Mestre. Problemas de saúde o levaram a ir residir próximo aos pais na Colônia Cinco Mil, depois que estes se mudaram para lá, e na força do Santo Daime de que se tornou feitor, e amparado pela força resplandecente de seu hinário, no ano de 1990 passou à administração da Colônia, cargo que ocupou por 7 anos, até pouco antes da passagem de seu pai. Hoje, desenvolve seus trabalhos com o Santo Daime na "Vila Carneiro", na Estrada da Colônia Cinco Mil, dirigindo o Pronto-Socorro Raimundo Irineu Serra que também abastece diversos centros daimistas fora do Acre ligados aos preceitos doutrinários deixados pelo Mestre Irineu e o Padrinho Sebastião.

A presente gravação é uma "lembrança" histórica - no dia 14 de julho de 1988, quando participei do hinário do Padrinho Nonato pela primeira vez, registrei alguns hinos em um cassete de 90 minutos que inclui os hinos do número 36 ao 69. Os instrumentos entram a partir do hino 53, ofertado à Regina Pereira, e se destaca o acordeon conduzido por Dionísio Viegas. A gravação é doméstica pois o hinário foi cantado na própria residência do casal Nonato e Graça, e os filhos ainda crianças cantam forte, e há uma curiosidade: se pode ouvir também o Padrinho Wilson, que estava dirigindo a sessão, em um determinado momento pedir para fecharem as janelas. Em breve iremos publicar "O Peregrino" integralmente, pois Eduardo Sampaio, da Igreja Céu do Ceará, também gravou os festejos de inauguração do Pronto-Socorro Raimundo Irineu Serra em Rio Branco no último 14 de julho, e já se prontificou a veiculá-lo através de nosso blog.

Para fazer o download de "O Peregrino", de Raimundo Nonato Teixeira de Souza, clique em:


17/08/2007

Presentes do Padrinho Wilson: "Chave de Ouro"

Padrinho Wilson e seu neto Miraci

Em 1988, durante as realizações do vídeo-documentário "São João na Terra" na Colônia Cinco Mil, o Padrinho Wilson Carneiro relatou como passou a comandante da primeira igreja-matriz do Cefluris:

Quando foi a 15 de fevereiro de 1981 eu cheguei [para morar] na Cinco Mil. Aí eu fiquei lá na casa de um fazendeiro, na casa do meu genro. Fiquei, e quando foi no fim de junho ele me chamou para tomar conta da igreja. Eu disse: Padrinho, eu não quero ficar de diretor da igreja, eu não tenho capacidade disso. "Mas é o senhor o escolhido, o senhor não tem pra onde correr". Padrinho, mas eu reconheço de mim que não tenho capacidade de dirigir um centro espírita. "Aprende como eu aprendi, mas não tem pra onde correr: o escolhido é o senhor". Aí eu fui com o Alfredo, que é o comandante geral da Doutrina, e disse: Alfredo, o Padrinho quer que eu fique como dirigente da igreja, eu conheço de mim que não tenho capacidade de dirigir um centro espírita. "Padrinho, mas é o senhor o escolhido, não adianta correr que o escolhido é o senhor. Olha, papai pegou no timão, eu peguei, agora é o senhor". (...) Aí nisso quando eles me entregaram a chave da igreja, o Alfredo me entregou um hino que fala "Agora tu recebes esta chave de ouro". Foi o hino que me entregaram quando entregaram a chave da igreja. Mas que a minha missão mesmo é cuidar dos doentes, essa foi a missão que o Mestre me deixou. Eu vivo dirigindo a igreja mas a minha missão mesmo é cuidar dos doentes...

O surgimento da categoria de "hinos ofertados" se deu a partir dessa época como verdadeira novidade entre os daimistas do Cefluris. Mas quando recebeu as chaves do comando da igreja, juntamente com esse hino o Padrinho Wilson recebeu também instrução de que "estudasse" também o hino anterior do Padrinho Alfredo, que havia sido "ofertado" à esposa do Padrinho Manoel Corrente, Dona Maria, de modo que este caderno de hinos do Padrinho Wilson abre não-usualmente com dois hinos do Padrinho Alfredo. A conexão pode ter se devido ao fato de São Pedro ser conhecido popularmente como o "chaveiro do céu", mas outra coincidência rara surgiria depois: o Padrinho Wilson recebeu um hino "ofertado" da Baixinha que também foi ofertado ao Padrinho Corrente, e por isso os cadernos de hinos de ambos partilham um mesmo hino em comum.

Para se entender o fenômeno dos hinos presenteados, devemos recordar que os participantes do Culto do Santo Daime entre os quais surgiu essa "modalidade" foram beneficiários de uma herança cultural anterior onde músicas eram executadas em público com dedicatórias especiais, costume esse também desenvolvido nos programas de rádio, onde até hoje existem programas assim, onde se pedem que se toquem músicas para se dedicar a alguém. Essa forma de gentileza ou cortesia se estendeu ao contexto dos hinários, sendo compreendido em termos doutrinários mais como "dedicatória" do que como "presente" (se afirma que a pessoa que "dá um hino" deixa de ser dele o dono, abre mão dele, e assim deveriam fazer os que pretendem "presentear" alguém com um hino que, afinal, mais do que uma "prenda" representa também uma responsabilidade espiritual para seu "guardião"). A partir do Padrinho Alfredo, entretanto, os hinos ofertados foram utilizados até como indicadores de relação de poder - por exemplo, hinários que "abrem" com hinos ofertados pelo Padrinho Alfredo, como este do Padrinho Wilson, indicam que seu proprietário ou "guardião" se rege pela direção espiritual do Padrinho Alfredo. Isso não foi "normatizado" entretanto, e o próprio caderno de hinos presenteados ao Padrinho Corrente não abre com o hino presenteado a este pelo comandante.

São os seguintes os hinos presenteados ao Padrinho Wilson:

01 - "São Pedro" (Padrinho Alfredo)
02 - "Chave de Ouro" (Padrinho Alfredo)
03 - "Consagrando esta União" (Gecila Teixeira)
04 - "Peço a meu Mestre" (Clícia Cavalcante)
05 - "Oh Meu Divino Pai" (Maria Brilhante)
06 - "Chorando e Lembrando" (Padrinho Nonato)
07 - "Rainha do Céu" (Ramiro Nascimento)
08 - "Cavalo Branco" (José Kleuber)
09 - "Do Silêncio" (Odemir Raulino)
10 - "Parabéns" (José Kleuber)
11 - "Dou Viva a Deus no Céu" (Padrinho Nonato)
12 - "Este Reino nos pertence" (José Kleuber)
13 - "Casa Santa" (José Kleuber)
14 - "São João, São Irineu" (Eduardo Ferreira)
15 - "Pedi a Deus" (Ricardo Araújo)
16 - "Linha de Arroxim" (Vera Fróes)
17 - "A Chave da Harmonia" (Marina Ruberti)
18 - "Divina Milícia" (Alex Polari)
19 - "Três Reis do Oriente" (Maria Eunice "Linda")
20 - "Meu Padrinho" (Baixinha)
21 - "Não deixo entrar" (Eduardo Bayer)
22 - "Madrinha Zilda" (Eduardo Ferreira) *excluído
23 - "Luz do Resplandor" (Cristina)
24 - "Essa Bebida" (Morena)
25 - "Amor, Verdade. Justiça" (Vera Apolônio)
26 - "Estava em pé firmado" (Cristina Mota)
27 - "A flor milagrosa" (Manno)
28 - "Poder do Pai" (Pedro Malheiros)
29 - "Batizado" (Maria Helena)
30 - "Ao amanhecer do dia" (Eduardo Bayer)
31 - "Quem é o dono" (Francisco Corrente)
32 - "Santo e Santa" (Almira)
33 - "Papai Velho de Amor" (Maria Alice)
34 - "Comando Divino" (Xiquinha Teixeira)
35 - "Meu Padrinho" (Arlene)
36 - "Meu Pai, Dai-me Luz" (Guilherme)
37 - "Flor de Jaci" (Luís Paulino)
38 - "Rei do Amor" (Adriano)
39 - "Vou seguindo" (Paulo)
40 - "Nova Aliança" (Eduardo Bayer)
41 - "I cantá" (Paulo Sarvel)
42 - "Força da Luz do Sol" (Noêmia Cotrim)
43 - "Arroxim" (Cristina)
44 - "Amém Jesus" (Padrinho Nonato)
45 - "São Vicente" (Eduardo Gabrich)
46 - "Vamos zelar o tempo" (Paim)
47 - "Aqui" (Ramiro Nascimento)
48 - "A verdade virá a todos" (Luiz Roque)

A presente gravação do hinário "Chave de Ouro" se deu a 16 de julho de 2007, na Colônia Cinco Mil, por ocasião dos festejos de inauguração da sede do Pronto-Socorro Raimundo Irineu Serra, dirigido pelo filho caçula do Padrinho Wilson, Raimundo Nonato Teixeira de Souza. Uma cortesia de Eduardo Sampaio, da igreja Céu do Ceará, que inclui ainda dois bônus gravados na ocasião. Destaque para o coral de vozes femininas e a condução musical da família do Padrinho Wilson. Para baixar as mp3 com caderno de hinos em formato para impressão, clique em:


Padrinho Wilson Carneiro de Souza
(1920 - 1998)

08/08/2007

O vôo do Arroxim

"Linha de Arroxim" é o título do caderno de cura de um dos fundadores do Cefluris, o Padrinho Wilson Carneiro de Souza. Em 18 de julho de 2005 a irmã Biná quis enviar do Céu do Mapiá para toda a irmandade este seu carinhoso depoimento sobre o amigo Padrinho Wilson, falecido a 26 de junho de 1998:

Wilson Carneiro chegou da Colônia Cinco Mil chamado pelo Padrinho Sebastião que estava no Rio de Janeiro, em convalescença devido ao “grande coração”, para ajuda-lo nos trabalhos espirituais e orientar os primeiros grupos de daimistas que ser formavam no Rio e em Visconde de Mauá, e que muito se beneficiaram com a presença do ilustre professor, viva voz da doutrina do Santo Daime.

Wilson Carneiro, homem trabalhador, conceituado comerciante ambulante, conheceu o Mestre Raimundo Irineu Serra quando doente o foi procurar; obtendo a cura o acompanhou até seus derradeiros dias na terra. Recebeu diretamente das suas mãos a guarda e zeladoria do Pronto Socorro para atender os necessitados, que o proprio Mestre mandava. Função que exercia com dedicação e mestria deixando transparecer o grande amor e gratidão ao Mestre que não conhecemos em matéria.

Após a passagem do Mestre Irineu, viu no Padrinho Sebastião seu continuador, vindo em pouco tempo residir com toda sua família na Colônia Cinco Mil, sendo um dos principais colaboradores para o crescimento e sustentação da comunidade, que foi a origem da expansão da Bebida Sagrada no "mundo inteiro", como havia previsto o Mestre.

Padrinho Wilson Carneiro um dos "guerreiros do amor", fiel escudeiro do Mestre Sebastião, como ele, tinha o dom e a delicadeza de lidar com a alma feminina. Sempre rodeado de mulheres, um perfeiro cavalheiro que sabia conquistar com afeto e dedicação trabalhando sempre em benefício do bem e da cura.

Se referindo ao ritual do trabalho de cura recebido pelo Mestre dizia: "Respeito todos os rituais de trabalho sendo com Deus. Mas o trabalho que recebi do meu Pai e que dirijo não tem misturas. Não se toca no doente, não se faz massagem. Na hora que alguém cai perdendo os sentidos não se deve tocar a pessoa porque muitas vêzes está recebendo uma cura ou operação. Deve-se apenas amparar para que não fique desconfortável, deixando que o próprio Daime manifeste na pessoa. É preciso ter atenção aos hinos, não cantar acelerado para entender seus ensinamentos e poder po-los em prática. A corrente de cura exige total concentração e atenção no objetivo do trabalho para que os doentes possam se entregar com toda confiança e destrinchar espiritualmente suas visões sobre a doença, suas causas kármicas e as transformações exigidas, para que a cura possa ocorrer e se manter. Deve-se também permanecer no lugar pelo menos duas horas, só sair em caso de necessidade. O entra e sai atrapalha a corrente. Durante o trabalho não se deve beber água porque corta a miração. No primeiro trabalho que participei foi para tirar minhas dúvidas. Dentro do Daime fui operado, tiraram o intestino velho e colocaram um novo. Fiquei curado pelo Mestre, depende de confiar."

Quando vinha ao Céu do Mapiá em visita dirigia os trabalhos de cura na “Estrela”. Nessas ocasiões recebia convites para almoçar, cada dia em uma casa que esmerava para agradá-lo. Como comerciante de comestíveis gostava de comer bem. Um ancião feliz que soube aproveitar o melhor que a vida oferecia.

Este auténtico xamã do norte brasileiro está na memória daqueles que o conheceram e tiveram oportunidade de ouvir seus ensinamentos e receber curas nos seus memoráveis trabalhos na “Linha do Arrochim”. Em nome desses e em meu nome, dou viva ao Padrinho Wilson Carneiro pela data do seu nascimento.

Em depoimento no site do Ciclumig, Wilson Carneiro recordava como sempre o comportamento impecável do seu venerando Mestre:

Eu fui bem tratado pelo Mestre. Um dia, eu perguntei a ele:

- Mestre, eu queria saber que merecimento eu tenho, porque quando eu viajo, eu não levo nem rede, nem roupa e nem rancho e eu nunca dormi no chão e nunca passei fome.

- Você acredita na lei cármica?

- Acredito sim.

- É porque na vida anterior você soube fazer o seu terreno e nunca negou uma dormida, nunca negou uma comida. Então você já está recebendo. Meu filho, o terreno a gente prepara é em vida, não pense que é depois que morre não. Assim você já está colhendo.

Eu sempre visitava o Mestre, fora os trabalhos. Quando eu peguei amor por ele, eu ia lá e levava uma sacolinha. Eu levava almoço, e almoçava com ele. Na mesa, Mestre Irineu não dava uma palavra.

Desde o ano de 1966, quando tinha quatro anos de serviço no Daime, Wilson Carneiro tornou-se responsável de um Pronto-Socorro do Daime na cidade, já que a Colônia do Alto Santo distava muito do centro de Rio Branco e além disso as estradas eram intrafegáveis nos meses de chuva. Além disso, por possuir carro, o futuro Padrinho Wilson podia colaborar na expedição de Daime para Porto Velho nos aviões do Correio Aéreo Nacional, a pedido do Mestre Irineu. Desse modo a casa do Padrinho Wilson passou a ter um local para realização dos rituais de cura com o Daime, como relatei na homenagem a ele na revista Arca da União:

Para os trabalhos de cura, Wilson Carneiro chamava a senhora Clícia Cavalcante, esposa de um proeminente advogado da cidade e fardada na Doutrina há mais tempo que ele, para prestar o atendimento aos doentes cantando o hinário por ele preferido, que era o de Maria Damião. Ao saber disso, Dona Percília, chefe do ritual no Centro, corrigiu-o dizendo ser necessário que este começasse sempre pelos hinos do Mestre Irineu, pois este era o tronco da Doutrina, e ser sempre preciso principiar a "subida" pelo tronco e não pelas ramas. Assim, Wilson Carneiro começou a formar um caderno de hinos para seus trabalhos de cura, caderno este que hoje conhecemos como da "Linha de Arroxim" recordando que, quando de seus aniversários, o hinário cantado em sua residência era o de Raimundo Gomes, o qual ali comparecia com sua família todos os anos para esse serviço espiritual, e onde Arroxim era citado mais de uma vez como espírito curador "que vem como um beija-flor". Sebastião Mota, sempre convidado para esse festejo, relembraria depois em seu próprio hinário a força desse beija-flor da cura.

Linha de Arroxim
(Raimundo Gomes)

Os caminhos estão abertos
É para todos nós seguir
Eu sigo é com meu Mestre
Na linha de Arroxim

A linha de Arroxim
É linha de curador
Eu curo é para servir
Com o poder do Criador

Arroxim é um espírito
Que vem como um beija-flor
Chame a nove pontos
Que aqui logo eu estou

As estrelas do Astral
"É" quem dão forças para curar
Também nascem fortes forças
Das profundezas do mar

Eu emprego os meus esforços
É para vós aqui brilhar
Para vós ter forte luzes
Para vir nos iluminar

Eu dou o seguimento
É para todos se firmar
Para seguir neste caminho
Para nesta casa chegar

Tenho fé na Mãe Divina
Que Vós é de me ajudar
Que eu sigo é com meu Mestre
Para chegar aonde Vós está.

A presente gravação do Caderno de hinos de cura do Padrinho Wilson - hoje intitulado "Linha de Arroxim" para diferenciá-lo do outro caderno de hinos do mesmo Padrinho, o "Chave de Ouro", que reúne os hinos a ele dedicados - foi realizada em Rio Branco por seu braço-direito nas sessões de cura, o neto Washington (que foi também seu filho-de-criação no final da existência terrena de sua adorada esposa, a Madrinha Zilda Teixeira). Conheci Washington ainda solfejando com voz de "menino cantor de Viena" estes hinos de cura, antes ainda que ele se tornasse o guitarrista que é hoje, e a "cara" desse trabalho de cura para mim é mesmo ouvi-lo puxando o coro das vozes femininas na vibração própria dos "povos da floresta". A generosa colaboração é do irmão Eduardo Sampaio, da igreja Céu do Ceará, ligada ao Pronto-Socorro Raimundo Irineu Serra que comemorou o mês passado a inauguração de sua nova igreja na Estrada da Colônia Cinco Mil.

Para baixar as mp3, com arquivos de texto e para impressão anexos, clique em:


06/08/2007

Trabalho de Cura

Arte de Helka Lu: estandarte com a figura do Mestre Irineu na Igreja Céu da Lua Cheia (São Paulo)

Em depoimento ao jornal acreano Página 20, o nonagenário Mário Rodrigues Albuquerque contou sua experiência de cura com o Daime:

Seu Mário Albuquerque comenta que, logo no primeiro dia que tomou a santa bebida, começou a se metamorfosear e, na ‘miração’ que teve, viu uma mesa cheia de médicos e enfermeiros que começaram a operar o seu estômago. Fui operado no invisível com o mestre Irineu. Guiados por Jesus Cristo, eu vi nitidamente os espíritos curadores tirando pedras dos meus rins e do meu fígado. Antes deste contato, eu sentia muitas dores e não podia comer nada. Depois do trabalho espiritual, as dores desapareceram e nunca mais adoeci”, relata. Para ele que participa da doutrina há 40 anos, o Daime é uma santa bebida. Veículo concreto para que Jesus Cristo, o mestre dos mestres, possa curar as doenças que maltrata o desgarrado homem na terra. “Isso depende também do merecimento de cada um”, diz reafirmando que quem cura mesmo é Deus. “Hoje dou testemunho dessa doutrina porque, verdadeiramente, não sinto mais nenhum tipo de doença, mesmo tendo 90 anos”.
Falando da estreita amizade que cultivava com o mestre, seu Mário conta que Irineu Serra lhe disse que, no principio da doutrina, tomou Daime, se separou da matéria, subiu para o astral e se encontrou com a Nossa Senhora, genitora de Jesus Cristo. Ele pediu a virgem mãe para que, na terra, fosse um curador de todos os males que afligem a frágil, feia e bela espécie humana. Segundo seu Mário, Nossa Senhora respondeu para Irineu Serra que ele não podia ser um curador porque iria cobrar dinheiro aos doentes, pois sua ação de cura não teria sucesso, nem para ele, nem para os enfermos, nem para ninguém. O mestre prometeu a Nossa Senhora que não cobraria nada de ninguém e, com a promessa de Irineu Serra, a mãe de Deus colocou todos as espécies de cura, todos os verdadeiros poderes, dentro dessa bebida. E, com os poderes de Jesus Cristo manifestados na bebida, Irineu começou a curar e a criar fama no Acre e em toda a Amazônia”, testemunha o sempre amigo e discípulo de Raimundo Irineu Serra.
O ancião, no alto do seu conhecimento, define o mestre Irineu Serra como um combatente das contradições existentes nos homens, suas teorias e práticas, palavras e ações. Mestre Irineu procurava enaltecer as virtudes e não os pseudo-defeitos humanos. Ele não atirava pedras em ninguém. Era contra a comercialização dessa santa bebida e dizia para todos que quem quisesse tomá-la viesse beber na sua origem. Entendo que a verdadeira amizade é a da ausência física, porque, de perto, ninguém é normal(...)
Falando dos conflitos atuais que afligem a espécie humana, seu Mário Rodrigues conta que mestre Irineu Serra queria e trabalhava para a existência de paz e de tranqüilidade entre os homens. Mestre Irineu não aceitava nenhum tipo de guerra. Ele era um cidadão de todas as raças, todos os povos, um homem simples e profundo que pertencia ao planeta terra. Ele morreu e ficou a desunião entre as pessoas, entre as famílias, entre as categorias sociais, entre os povos, isso é triste. Mas ainda é tempo do homem se redimir, se corrigir das suas contradições e dos seus pecados mundanos, infernos íntimos e conflitos sociais”, acredita o velho sábio.
Para finalizar, seu Mário diz que a mentira, a ganância, o consumismo, a falta de amor ao próximo, o teatro malfeito, a prepotência, a inveja, a luxúria, a dissimulação, a farsa, entre outras doenças psíquicas, são males e pecados maiores que o vício do álcool ou de outras substâncias entorpecentes, que também afligem e consomem os homens tolos. Examinem a consciência, examinem direitinho... Sou pai e não sou filho...”, diz parte de um hino do também seguidor do mestre Irineu, Sebastião Mota.

Um dos mais antigos seguidores do Padrinho Sebastião, Eduardo Salles Freitas, o Padrinho Eduardo, discorre sobre os trabalhos de cura com o Daime:

"(...) as mulheres têm que cantar sempre: “Se não agüentam tem que deixar para as outras, até poder voltar. O hinário aberto tem que ser cantado inteiro, não pode puxar hinos de outros hinários. O canto tem que passar sempre a firmeza de cada um, com amor e verdade, para ter força para ajudar aos irmãos na corrente. Para isso não pode ter ciumeira na igreja, pois a cura é para todos”. Sobre os trabalhos, nos lembra que o mais sério é o feitio: “Quando o Daime está apurando é que Deus vem se aproximando. Por isso tem que ter muita concentração para fazer o Santo Daime, e não é todo mundo que pode. Essa conduta vale também para o salão, onde se deve fazer sempre belezura, e não terrores. Trabalho de cura tem que ter calma e tranqüilidade, senão não cura. Tomar Daime é pra uma finalidade só, a salvação. Bebe para limpeza de espírito, pra receber a luz, se arrepender e ter salvação. O professor é o Santo Daime, e ele só ajuda se a pessoa merece”. “Não devemos esquecer da dieta de três dias antes e três dias depois do Daime, tanto para entrar quanto pra sair”, fala o Padrinho Eduardo – “a doutrina de Sebastião Mota é fora de toda vaidade, não se bebe bebida alcoólica”, e afirma: “Deus é a perfeição do sol, da lua e das estrelas, não tem moda, não tem modelo(...)"

A antropóloga Sônia Weidner Maluf, da UFSC, nos brinda novas referências a respeito em seu ensaio Mitos coletivos, narrativas pessoais: cura ritual, trabalho terapêutico e emergência do sujeito nas culturas da "Nova Era":

O que aqui denomino de trabalho terapêutico e espiritual compreende um conjunto de procedimentos, práticas e técnicas ligado a diferentes saberes terapêuticos e tradições religiosas e espirituais — meditação, uso da astrologia e de técnicas divinatórias como instrumentos de autoconhecimento (o tarot ou as runas), florais de Bach, terapia de vidas passadas, método Fischer-Hoffman, renascimento — que se fazem presentes em rituais de linhagens religiosas e espirituais estabelecidos como o Santo Daime, o movimento neo-sânias etc.
Cada indivíduo — paciente ou terapeuta — utiliza de modo singular um repertório variado, algumas vezes associando técnicas e concepções aparentemente contraditórias. Essas experiências distribuem-se em um leque de situações mais puramente terapêuticas do que as de caráter fortemente espiritual ou religioso. São adotados desde procedimentos típicos das psicoterapias "convencionais", ou mesmo da biomedicina, até aqueles que estão mais próximos de uma experiência ritual e religiosa, além da utilização de práticas e de saberes terapêuticos populares. Do mesmo modo que certos universos rituais incorporam processos de tratamento advindos de outras tradições, técnicas diversas são associadas segundo arranjos os mais variados, mesmo quando os mecanismos que visam à cura ou ao alívio dos sintomas, as formas de cuidado e a maneira de conceber o objeto do trabalho terapêutico são diferentes. Esse ecletismo aparentemente pragmático mostra, no entanto, formas e sentidos comuns dados ao trabalho terapêutico e espiritual, constituindo sínteses cosmológicas singulares.
A dupla implicação entre o terapêutico e o espiritual é uma característica recorrente nas diferentes situações observadas e na própria forma pela qual os protagonistas descrevem essas experiências. Uma dimensão religiosa está presente no trabalho terapêutico, assim como um sentido terapêutico é dado aos rituais (expressões como "o Daime é a cura" são exemplos disso). O cruzamento dessas duas dimensões não repousa apenas na combinação de técnicas e de procedimentos diferentes, mas sobretudo nos sentidos dados à experiência.

O site do Cefluris assim define o caderno de hinos conhecido como "Trabalho de Cura do Padrinho Sebastião", institucionalizado por este Centro:

Os trabalhos de cura compreendem diversos tipos: Trabalho de Estrela, Mesa Branca, São Miguel, Cruzes e Trabalhos para as Almas. No tempo do Mestre Irineu os trabalhos de cura eram basicamente de Concentração, já o Padrinho Sebastião acrescentou uma seleção de hinos que foi aos poucos ampliando-se até chegar na atual versão do nosso Hinário de Cura (...) Além dos hinos listados, podem ser cantados outros, sempre de acordo com as solicitações do próprio trabalho. Em alguns casos podem ser abertos outros hinários também empregados para cura como é o caso, principalmente, dos hinários de João Pedro, Tetê e dos Finados (Antônio Gomes, Maria Damião, Germano Guilherme, João Pereira). A corrente de cura exige total concentração e atenção no objetivo do trabalho para que os doentes possam se entregar com toda a confiança no destrinchamento espiritual de suas visões sobre a doença, a compreensão das usas causas kármicas e às transformações exigidas para que a cura possa ocorrer e se manter.
A abertura é normal: Oração, Consagração do Aposento, pequena concentração e ínicio do Hinário de Cura. É usada a farda azul, as pessoas permanecem sentadas em torno do Cruzeiro. A mesa é constituída normalmente por 7, 9, ou 12 pessoas, incluindo o presidente da mesa.
Os beneficiados não devem sentar diretamente na mesa, podendo ser acomodados em locais especiais (quarto de cura) sempre próximos à mesa de trabalho. Como é habitual, homens e mulheres sentam separadamente. Os médiuns curadores em serviço podem se movimentar na atenção aos doentes, sempre de acordo com o presidente da mesa. Além dos médiuns, devem permanecer na Estrela um fiscal de salão e um fiscal de terreiro, além do despachador de Santo Daime (não necessariamente o presidente da mesa). Devem ser evitados os instrumentos musicais, inclusive maracás, quando não há uma equipe treinada adequadamente. Os hinos devem ser bem cadenciados, intercalados com pausa, a critério do chefe da sessão.
A praxe é fazer o primeiro despacho do Santo Daime antes da Oração, outro após a concentração ou no ínicio do Hinário de Cura. E ainda um terceiro despacho opcional do hino "O Daime", do Padrinho Alfredo, em diante. Para o encerramento, canta-se o Cruzeirinho do Mestre Irineu, e procede-se as orações de encerramento, incluindo a Prece de Cáritas.
Caso seja necessário, o presidente da mesa deve solicitar que os doentes permaneçam na Estrela após o encerramento do trabalho – acompanhados por um fiscal – para melhor aproveitamento do benefício recebido. É apropriado que os locais onde acontecem os trabalhos de cura tenham acomodações apropriadas para receber os doentes.
Trabalhos de Estrela: Sob esta designação reúnem-se todos os trabalhos que são feitos na Casa de Estrela, que mesmo tendo uma característica marcante de cura tem também como finalidade a instrução e ensaio de hinários, abertura de banca, ou outro tipo de trabalhos como aqueles que reúnem jovens, homens ou mulheres das comunidades daimistas. Abre-se igualmente ao trabalho de cura e encerra-se com o Cruzeirinho do Mestre Irineu.

É bom observar que o chamado Trabalho de Estrela desde o seu surgimento requisitava a construção de um espaço ritual próprio, e trabalhos como estes, ditos de "desenvolvimento mediúnico" específico, deveriam estar reservados a esses espaços deixando-se o espaço das igrejas para os trabalhos doutrinários próprios como o "Trabalho de Cura" formulado pelo Padrinho Sebastião. O site Luz da Floresta nos elucida ainda:

Cremos que, apesar das diferenças de rituais, os ensinamentos doutrinários e o fenômeno da miração são convergentes em todas as igrejas e centros que trabalham com o Daime ou Vegetal de forma sacramental. As diferenças doutrinárias refletem diferentes contextos e demandas espirituais e devem ser entendidas e respeitadas. O Daime vem a ser a para nós um Acelerador, um Atalho Cármico. Através dele, os daimistas acreditam que qualquer um, que esteja sinceramente disposto a se transformar, poderá chegar, num tempo mais reduzido, ao conhecimento de Si-Mesmo e do Universo. O resultado desse trabalho espiritual interior não é apenas uma propriedade de um alcalóide que inibe uma enzima de um neuro-transmissor cerebral. Não é um fenômeno que pode ser induzido por experiências de laboratório. O trabalho espiritual envolve sistemática transformação pessoal e provas disso no dia a dia. O trabalho com o Santo Daime busca a nossa reunificação no Uno, no Todo e usa o corpo e a mente como uma ferramenta de trabalho. Essa perspectiva espiritual não reduz nossa capacidade de ajuste no mundo, mas pelo contrário a amplia. Depois de realizado o Sacramento do Santo Daime, o sentido maior da nossa irmandade é comungar com ele nas festas que chamamos Hinários.

Para baixar os hinos que compõem o "Trabalho de Cura do Padrinho Sebastião", gravados em estúdio com a equipe do Céu do Mapiá, com cadernos para impressão e cifras musicais, clique para download em:


Ritual em Brasília com Luiz Mendes e equipe do CEFLI, em foto de Lou Gold

Não deixem de ler: Recomendações Especiais para a Recepção de Iniciantes, por Eliseu Labigalini Jr. (labigalini@ig.com.br). Labigalini é médico-psiquiatra e pesquisador do Proad (Programa de Orientação e Assistência ao Dependente), da EPM - Escola Paulista de Medicina, UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo, e membro do Núcleo de Cura e Saúde do Cefluris - Regional SP