30/10/2007

Preleção do Padrinho Sebastião Mota

A preleção é o discurso ou conferência didática. É uma peça oratória que o orador pronuncia para instrução de seus ouvintes. Segundo os jesuítas, "a preleção e a repetição, constituem resgate literal de instrumentos dos Exercícios Espirituais e da Ratio Studiorum" de São Ignacio de Loyola, fundador da Ordem. A chamada Preleção Inaciana é o instrumento mediante o qual o professor prepara seus alunos para a atividade pessoal que deverão realizar. A preleção pode produzir autênticos conhecimentos e hábitos firmes, além do estímulo e motivação para a aprendizagem. Recupera algo muito jesuítico, sendo útil para contextualizar, motivar, iniciar a experiência, aprender. Já a Repetição inaciana procura retomar o tema que se está estudando recuperando aqueles pontos que produziram maior satisfação ou insatisfação. Em geral, na repetição inaciana se verifica também o que se compreendeu, que pontos devem ser reforçados e de que modo se poderá continuar avançando. Ajuda a esclarecer o momento da aprendizagem que se está vivendo e aprofunda a assimilação do aprendido. (Fonte: "Pedagogia Inaciana, Uma Visão Sintética").

"Os objetivos da preleção espírita são dois: ensinar o Evangelho e instruir sobre o Espiritismo", diz o texto O Orador Espírita. O uso de preleções é comum a várias escolas espirituais, tanto entre o budismo, por exemplo, como na umbanda, em ocasiões determinadas. No caso da Doutrina de Juramidam, o segundo hino de Antônio Gomes foi quem trouxe a primeira preleção cantada, remetendo ao aspecto escolar do aprendizado espiritual na Doutrina de Irineu Serra. Geralmente as preleções aconteciam ao término das sessões de concentração ou no seu ínterim, por parte do dirigente ou alguém por ele indicado, sempre de forma espontânea (sem redação preliminar) e submetido à força do Daime ingerido para que as palavras vibrassem com a força e a autenticidade do Astral.

Há uma gravação de uma preleção do Mestre Irineu, feita em fita magnética no final dos anos 60, que muito deteriorada foi recuperada no final da década passada, sem muito sucesso, sendo que o cd-master com o resultado foi recolhido ao Acervo do Memorial Irineu Serra, hoje tombado pelo Patrimônio Histórico e Cultural do Município de Rio Branco e do Estado do Acre. Gravações de preleções do Padrinho Sebastião têm sido difundidas, dentre as quais a que aqui apresentamos, com melhor qualidade de audição. Sobre o Padrinho, assim se referiu o dirigente da Igreja Céu do Mar, no Rio de Janeiro, em preleção realizada no fardamento da Noite de São João de 2007 (leiam o texto completo aqui):

O Santo da noite de hoje é São João Batista muito presente na nossa religião, a linha do Padrinho Sebastião nos leva a São João Batista, por tudo que São João representa na palavra do entendimento, João abre caminho para o Cristo chegar, da mesma forma que o arrependimento abre caminho para o perdão, então São João Batista é o batizador, com o poder de levar cada alma ali no Rio Jordão, ao renascimento, o sentido de renascimento, o renascimento do batismo, o sentido também de lavar os pecados, deixar tudo pra traz e começar tudo de novo, esta é a presença de São João Batista. O Padrinho Sebastião sempre foi um aparelho dele, como está bem claro no hinário do Padrinho Sebastião, então é sobre as bênçãos do Santo de hoje que pra nós tem a mesma importância que tem o Natal, tem o "Feliz Natal" e tem o "Feliz São João", que são dois tempos básicos do ano, os solstícios, onde troca a estação, e feliz da alma encarnada e desencarnada aqui presente que puder se encontrar com o Mestre dentro do hinário dele, quem realmente conseguir assim se abstrair, tirar as sandálias do ego, quem conseguir sair da realidade imediata trazida na miração no hinário do Mestre Irineu, acaba se encontrando com ele, e é dessa comunhão que vem a luz pra nós, vem as curas, vem os ensinamentos, feliz da alma que na noite de São João Batista puder se encontrar com o Mestre.

Como colaboração do irmão Eduardo Sampaio, da Igreja Céu do Ceará, apresentamos aqui uma gravação do Padrinho Sebastião com duração de trinta minutos, a qual tem sido utilizada pelo Padrinho Nonato Teixeira em concentrações, e traduz um momento histórico preciso na trajetória do Cefluris. Para obter o download, cliquem em:

29/10/2007

Maria Gomes e sua filha Adália Grangeiro

Maria Gomes nasceu no começo do século 20 em um seringal do Acre e se casou com o cearense Antônio Gomes, que chegara do Pará com a família e lá enviuvara ficando com uma penca de filhos para criar. Em 1938 conheceram o Mestre Irineu e seu trabalho, e a família entrou para a Doutrina, como nos relata Jairo Carioca:

Da nova família, além de Antônio Gomes da Silva, o patriarca, os seus filhos Leôncio Gomes, Raimundo Gomes, Adália Gomes, José Gomes e dona Zulmira Gomes também passaram a freqüentar a sessão. Dona Zulmira, casada com o senhor Sebastião Gonçalves, levou à missão seus filhos Raimundo Gonçalves, João Gomes, Benedita Gomes, Heloísa Gomes e Peregrina Gomes. Essa família fortificava a edificação da doutrina, como o próprio Antônio Gomes, que passou a receber um rico e instrutivo hinário, onde relata:
"O Mestre trabalhava, se achava quase sozinho, pediu a Jesus Cristo que abrisse o seu caminho".

Antônio Gomes faleceu oito anos depois, havendo pedido ao Mestre Irineu que amparasse sua família. O Mestre então assumiu essa responsabilidade, especialmente em relação à viúva e aos filhos menores. Adália, filha caçula de Dona Maria, se casou nos anos 50 com Francisco Grangeiro. Tive a oportunidade de cantar o hinário de Antônio Gomes na residência desse casal, na presença de Dona Maria, então já nonagenária, quando ela tinha até dificuldade de falar, e é uma pena não haver podido entrevistá-la na época para saber mais sobre sua vida na Doutrina. Na década de 60, a presença de Maria Gomes como membro da primeira Comissão de Cura do Mestre é registrada por Jairo Carioca:

É das bases do Círculo Esotérico que Mestre Irineu organizou (...) seus trabalhos de cura. Como já vimos, até esta data os trabalhos de cura eram realizados nas quartas-feiras. Sempre que um irmão estava necessitado, Mestre Irineu reunia seus membros e trabalhava a cura da pessoa em trabalhos que poderiam se repetir de três a até nove sessões. Com a organização desses trabalhos, Mestre Irineu criou uma Comissão de Cura - que seria responsável pelo acompanhamento dos irmãos enfermos. Nove pessoas, integrantes do Estado Maior, formavam essa comissão: 1 - Madrinha Peregrina; 2 - Percília Matos; 3 - Lourdes Carioca; 4 - Zulmira Gomes; 5 - Maria Gomes; 6 - José das Neves; 7 - Francisco Martins; 8 - Francisco Grangeiro; 9 - Júlio Chaves Carioca.

Comentam esses seguidores antigos que os objetivos de Mestre Irineu ao fundamentar essa equipe eram mais amplos. Um dia o Mestre comentou com Júlio Carioca: "Quero, Júlio, concentrar-me aqui (referindo-se ao Alto Santo) para trabalhar em benefício de uma pessoa que esteja doente no Japão", testemunha Júlio Carioca. "Em duas ocasiões chegamos a nos reunir com esse objetivo, acrescenta dona Lourdes Carioca. A primeira foi quando houve um incêndio grande nas matas do Maranhão que ninguém conseguia apagar. O Mestre nos reuniu, tomamos Daime e fomos bater lá. Na miração, via ele na frente e nós com uma porção de vassourinhas ajudando a apagar o fogo; outra vez foi na Segunda Guerra Mundial, naquela época eu não estava ainda na sessão, mas o Mestre me falou que também se concentrou pedindo paz para o mundo todo".

Apresentamos aqui uma gravação dos cadernos de hinário de Dona Maria Gomes e de sua filha a Madrinha Adália Grangeiro, conduzida pelo neto Valsírio Grangeiro. Não possuímos o caderno digitado, e no momento apenas disponibilizamos os vinte e seis hinos de ambas, sem poder determinar onde termina um e começa o outro. Entretanto, pela beleza da gravação e a força destes hinos, consideramos indispensável proporcioná-los desde já. Para obter o download do arquivo compactado com as faixas wma, cliquem em:


Colaboração: Juarez Duarte Bomfim

25/10/2007

Carlos Augusto Strazzer em seu hinário

Pintura de El Greco (1585): A Virgem da Conceição com São João Evangelista

"Um abraço dado de bom coração é mais que um abraço, é uma benção". Lembro da canção da Baixinha ao lembrar do abraço fraterno que recebia de Carlos Augusto Strazzer ao término dos hinários na Igreja do Céu do Mar, no Rio de Janeiro. O grande ator ingressou no Santo Daime no final dos anos 80, época em que outras celebridades como Lucélia Santos e Ney Matogrosso se "fardaram" na Doutrina. No Acre daquele tempo, o deputado João Tezza declarava na Assembléia Legislativa que Rio Branco seria invadida por verdadeiras caravanas de aidéticos devido à veiculação no Rio de Janeiro de um boato segundo o qual uma mulher soropositiva teria sido curada na Colônia Cinco Mil (na verdade, uma mulher com diagnóstico soropositivo, vivendo na Colônia, foi mordida por uma cobra venenosa, e após a cura com soroantiofídico, ao refazer seu exame de HIV encontrou que estava soronegativa, e não foram mais confirmadas "curas milagrosas" como a sua). O sensacionalismo do deputado acreano ficou por isso mesmo, e os aidéticos que porventura buscam ou buscaram tratamento com o Daime, tanto no Acre como em outras partes do Brasil e do mundo, tiveram consciência de que para o infectado a bebida colabora fisica, psiquica e espiritualmente, mas não é nenhuma panacéia cura-tudo como alguns se apressaram em querer anunciar a princípio.

Carlos Augusto Strazzer (São Caetano do Sul, 4 de agosto de 1946 - Petrópolis, em 19 de fevereiro de 1993) foi um famoso ator brasileiro. Participou de diversas peças teatrais como "Cemitério de automóveis", de Fernando Arrabal, "O Balcão", de Jean Genet, dirigidos por Victor Garcia e produzidos por Ruth Escobar, "A Moratória", de Jorge Andrade, o grandiloqüente musical "Evita", um dos maiores sucessos da cena carioca dos anos 80 e "As ligações perigosas", de Choderlos de Laclos, outro êxito do final daquela década. Ficou conhecido por sua participação na televisão, em muitas telenovelas, como "Éramos Seis" (1977), "O Profeta" (1977/78) e o remake de "O Direito de Nascer" (1978), na antiga TV Tupi, tramas que o projetaram nacionalmente, e "Coração Alado" (1980/81), "Jogo da Vida" (1981/82), "Champagne" (1983/84), "Livre Para Voar" (1984/85), "Mandala" (1987/88) e "Que Rei Sou Eu?" (1989), além das minisséries "Moinhos de Vento" (1983) e "O Sorriso do Lagarto" (1991), todas pela Rede Globo.

Era conhecido por interpretar vilões ou personagens misteriosos e místicos, os quais impregnava de elegância e ambigüidade. Infelizmente fez poucos filmes, como "Gaijin – Os caminhos da liberdade" (1980), de Tizuka Yamasaki, "Eles não usam black-tie" (1981), de Leon Hirszman, "Com licença, eu vou à luta" (1986), de Lui Farias e "O Mistério do Colégio Brasil" (1988), de José Frazão, além de participações especiais na produção internacional "Moon over Parador" (1987), dirigida por Paul Mazursky e no documentário "Interprete mais, ganhe mais", dirigido por Andrea Tonacci, que trata do cotidiano do grupo teatral de Ruth Escobar e que ficou embargado na Justiça por vinte anos. Faleceu em 1993, aos 47 anos incompletos.

Em entrevista publicada na Revista Veja em maio de 1992, intitulada "A opção pela vida", Strazzer admitiu publicamente estar com Aids, e falou um pouco sobre sua visão espiritual sobre o processo da doença:

VEJA - A Aids mudou a sua maneira de encarar a morte?
Strazzer- Sempre fui fascinado pela morte. Eu sempre fui um especulador das ciências ocultas, um estudioso do espiritismo cristão, de religiões que tentassem explicar a morte de uma forma menos ingênua que a cristã tradicional. Desde adolescente, eu reflito sobre o que poderá acontecer após a morte. Quando a Aids veio, achei que minha hora havia chegado. Pensei em morrer educada e dignamente. Não podia decepcionar a galera. Afinal, por tudo o que eu havia lido, ter Aids significava ficar com aquela figura cadavérica publicada pelos jornais e morrer. Até que eu percebi que havia uma possibilidade de não ser assim.

VEJA - Como surgiu essa possibilidade?
Strazzer - Não foi um médico quem me deu isso. Veio de foro íntimo, de esforços consideráveis para compreender o que estava acontecendo e não me entregar. Eu tenho um poder dentro de mim, que é um poder decisório, uma vontade. Tenho que ter vontade de viver e descobri motivações verdadeiras para continuar vivo. Essas motivações estão ligadas às pouquíssimas pessoas, que atravessaram comigo o vale da sombra da morte, inesquecíveis amigos que conseguiram imprimir na minha alma e no meu coração uma vontade de estar com eles ainda mais um tempo. (...)

VEJA- O senhor teve vontade de morrer?
Strazzer - Não exatamente. Eu achei que a agonia era uma coisa muito sem graça. Será que não existia outra forma de morrer, na qual eu não tivesse que passar por aquela dor, aquela porta estreita, aquele buraco de agulha? Mas tive vivências muito particulares nesses momentos. Foi bom analisar quem era eu e qual era a minha historinha. E minha historinha era quase medíocre, mas gostei dela. Não fui um grande sujeito, nem um grande ator, mas era um cara legal, bom caráter, tinha vivido bem, cercado de bons amigos, com três lindos filhos e uma ex-mulher maravilhosa. Comecei a montar a minha biografia: Carlos Augusto Strazzer nasceu assim, foi um adolescente, em adulto fez uma porção de coisas; aí pegou uma doença terrível e morreu. Que morte boba! Será que não dava para mudar o script? Que final piegas e melodramático... Tive, então, vontade de mudar o final.

VEJA - Aconteceu alguma coisa que propiciou essa virada?
Strazzer - Eu estava muito mal e não agüentava mais sentir tanta dor física. Comecei a rezar, mas me senti meio ridículo, beato, e questionei se Deus existia mesmo. Mas a dor era tanta que a revolta passou e eu rezei o pai-nosso mantricamente, ou seja, pensando em cada frase. Quando cheguei no "seja feita a Tua vontade", não consegui continuar. Se eu acreditava que Deus estava em mim e não era um velhinho de barbas brancas inacessível, mas um estado de consciência interna, então eu tinha de entrar em contato comigo mesmo. "Seja feita a Tua vontade" não significava a vontade de alguém de fora em relação a mim. Abriu-se um telão azul deslumbrante e uma voz, muito parecida com a minha, só que em dolby-stereo, me perguntou se eu queria a cura ou não.

VEJA - Qual foi sua resposta?
Strazzer - Meu primeiro instinto foi dizer "sim”. Mas será que era isso mesmo? O outro lado era tão maravilhoso... Por que eu iria ficar nesta Terra tão complicada? Aí, a voz me disse que eu precisava querer alguma coisa, que eu devia usar a vontade correta. Eu precisava de uma motivação para viver, senão minha vontade não seria legitima. (...)

VEJA - E a esperança de cura?
Strazzer- Já pensei muito nisso. Faz um tempo que não penso mais. Às vezes, acho que estou indo embora. A cura não é mais um núcleo de ansiedade e reflexão da minha parte. (...)

VEJA - O senhor pretende voltar a atuar?
Strazzer - Gostaria de montar um espetáculo no qual eu recitasse alguns poetas místicos, como os persas Rumi e Attar e os espanhóis São João da Cruz e Teresa d'Avila. Seria uma encenação com uma bailarina, um instrumento, uma coisa simples de meia hora de duração. São poemas belos, que falam sobre a noite escura: Vivo sem viver em mim e tão alta a vida espero que morro e por que não morro? É um universo que eu conheço, de delicadeza sobre a morte e a espiritualidade.


Os dezoito hinos recebidos (ou "percebidos") por Strazzer passaram a fazer parte, na época, de alguns trabalhos no Centro Eclético da Fluente Luz Universal Sebastião Mota de Melo - Ceflusmme, onde também os três filhos do ator eram fardados, e assim foram conservados. Para obter o download das mp3 desse hinário, clique em:


Colaboração: Jaime Wanner.