25/10/2007

Carlos Augusto Strazzer em seu hinário

Pintura de El Greco (1585): A Virgem da Conceição com São João Evangelista

"Um abraço dado de bom coração é mais que um abraço, é uma benção". Lembro da canção da Baixinha ao lembrar do abraço fraterno que recebia de Carlos Augusto Strazzer ao término dos hinários na Igreja do Céu do Mar, no Rio de Janeiro. O grande ator ingressou no Santo Daime no final dos anos 80, época em que outras celebridades como Lucélia Santos e Ney Matogrosso se "fardaram" na Doutrina. No Acre daquele tempo, o deputado João Tezza declarava na Assembléia Legislativa que Rio Branco seria invadida por verdadeiras caravanas de aidéticos devido à veiculação no Rio de Janeiro de um boato segundo o qual uma mulher soropositiva teria sido curada na Colônia Cinco Mil (na verdade, uma mulher com diagnóstico soropositivo, vivendo na Colônia, foi mordida por uma cobra venenosa, e após a cura com soroantiofídico, ao refazer seu exame de HIV encontrou que estava soronegativa, e não foram mais confirmadas "curas milagrosas" como a sua). O sensacionalismo do deputado acreano ficou por isso mesmo, e os aidéticos que porventura buscam ou buscaram tratamento com o Daime, tanto no Acre como em outras partes do Brasil e do mundo, tiveram consciência de que para o infectado a bebida colabora fisica, psiquica e espiritualmente, mas não é nenhuma panacéia cura-tudo como alguns se apressaram em querer anunciar a princípio.

Carlos Augusto Strazzer (São Caetano do Sul, 4 de agosto de 1946 - Petrópolis, em 19 de fevereiro de 1993) foi um famoso ator brasileiro. Participou de diversas peças teatrais como "Cemitério de automóveis", de Fernando Arrabal, "O Balcão", de Jean Genet, dirigidos por Victor Garcia e produzidos por Ruth Escobar, "A Moratória", de Jorge Andrade, o grandiloqüente musical "Evita", um dos maiores sucessos da cena carioca dos anos 80 e "As ligações perigosas", de Choderlos de Laclos, outro êxito do final daquela década. Ficou conhecido por sua participação na televisão, em muitas telenovelas, como "Éramos Seis" (1977), "O Profeta" (1977/78) e o remake de "O Direito de Nascer" (1978), na antiga TV Tupi, tramas que o projetaram nacionalmente, e "Coração Alado" (1980/81), "Jogo da Vida" (1981/82), "Champagne" (1983/84), "Livre Para Voar" (1984/85), "Mandala" (1987/88) e "Que Rei Sou Eu?" (1989), além das minisséries "Moinhos de Vento" (1983) e "O Sorriso do Lagarto" (1991), todas pela Rede Globo.

Era conhecido por interpretar vilões ou personagens misteriosos e místicos, os quais impregnava de elegância e ambigüidade. Infelizmente fez poucos filmes, como "Gaijin – Os caminhos da liberdade" (1980), de Tizuka Yamasaki, "Eles não usam black-tie" (1981), de Leon Hirszman, "Com licença, eu vou à luta" (1986), de Lui Farias e "O Mistério do Colégio Brasil" (1988), de José Frazão, além de participações especiais na produção internacional "Moon over Parador" (1987), dirigida por Paul Mazursky e no documentário "Interprete mais, ganhe mais", dirigido por Andrea Tonacci, que trata do cotidiano do grupo teatral de Ruth Escobar e que ficou embargado na Justiça por vinte anos. Faleceu em 1993, aos 47 anos incompletos.

Em entrevista publicada na Revista Veja em maio de 1992, intitulada "A opção pela vida", Strazzer admitiu publicamente estar com Aids, e falou um pouco sobre sua visão espiritual sobre o processo da doença:

VEJA - A Aids mudou a sua maneira de encarar a morte?
Strazzer- Sempre fui fascinado pela morte. Eu sempre fui um especulador das ciências ocultas, um estudioso do espiritismo cristão, de religiões que tentassem explicar a morte de uma forma menos ingênua que a cristã tradicional. Desde adolescente, eu reflito sobre o que poderá acontecer após a morte. Quando a Aids veio, achei que minha hora havia chegado. Pensei em morrer educada e dignamente. Não podia decepcionar a galera. Afinal, por tudo o que eu havia lido, ter Aids significava ficar com aquela figura cadavérica publicada pelos jornais e morrer. Até que eu percebi que havia uma possibilidade de não ser assim.

VEJA - Como surgiu essa possibilidade?
Strazzer - Não foi um médico quem me deu isso. Veio de foro íntimo, de esforços consideráveis para compreender o que estava acontecendo e não me entregar. Eu tenho um poder dentro de mim, que é um poder decisório, uma vontade. Tenho que ter vontade de viver e descobri motivações verdadeiras para continuar vivo. Essas motivações estão ligadas às pouquíssimas pessoas, que atravessaram comigo o vale da sombra da morte, inesquecíveis amigos que conseguiram imprimir na minha alma e no meu coração uma vontade de estar com eles ainda mais um tempo. (...)

VEJA- O senhor teve vontade de morrer?
Strazzer - Não exatamente. Eu achei que a agonia era uma coisa muito sem graça. Será que não existia outra forma de morrer, na qual eu não tivesse que passar por aquela dor, aquela porta estreita, aquele buraco de agulha? Mas tive vivências muito particulares nesses momentos. Foi bom analisar quem era eu e qual era a minha historinha. E minha historinha era quase medíocre, mas gostei dela. Não fui um grande sujeito, nem um grande ator, mas era um cara legal, bom caráter, tinha vivido bem, cercado de bons amigos, com três lindos filhos e uma ex-mulher maravilhosa. Comecei a montar a minha biografia: Carlos Augusto Strazzer nasceu assim, foi um adolescente, em adulto fez uma porção de coisas; aí pegou uma doença terrível e morreu. Que morte boba! Será que não dava para mudar o script? Que final piegas e melodramático... Tive, então, vontade de mudar o final.

VEJA - Aconteceu alguma coisa que propiciou essa virada?
Strazzer - Eu estava muito mal e não agüentava mais sentir tanta dor física. Comecei a rezar, mas me senti meio ridículo, beato, e questionei se Deus existia mesmo. Mas a dor era tanta que a revolta passou e eu rezei o pai-nosso mantricamente, ou seja, pensando em cada frase. Quando cheguei no "seja feita a Tua vontade", não consegui continuar. Se eu acreditava que Deus estava em mim e não era um velhinho de barbas brancas inacessível, mas um estado de consciência interna, então eu tinha de entrar em contato comigo mesmo. "Seja feita a Tua vontade" não significava a vontade de alguém de fora em relação a mim. Abriu-se um telão azul deslumbrante e uma voz, muito parecida com a minha, só que em dolby-stereo, me perguntou se eu queria a cura ou não.

VEJA - Qual foi sua resposta?
Strazzer - Meu primeiro instinto foi dizer "sim”. Mas será que era isso mesmo? O outro lado era tão maravilhoso... Por que eu iria ficar nesta Terra tão complicada? Aí, a voz me disse que eu precisava querer alguma coisa, que eu devia usar a vontade correta. Eu precisava de uma motivação para viver, senão minha vontade não seria legitima. (...)

VEJA - E a esperança de cura?
Strazzer- Já pensei muito nisso. Faz um tempo que não penso mais. Às vezes, acho que estou indo embora. A cura não é mais um núcleo de ansiedade e reflexão da minha parte. (...)

VEJA - O senhor pretende voltar a atuar?
Strazzer - Gostaria de montar um espetáculo no qual eu recitasse alguns poetas místicos, como os persas Rumi e Attar e os espanhóis São João da Cruz e Teresa d'Avila. Seria uma encenação com uma bailarina, um instrumento, uma coisa simples de meia hora de duração. São poemas belos, que falam sobre a noite escura: Vivo sem viver em mim e tão alta a vida espero que morro e por que não morro? É um universo que eu conheço, de delicadeza sobre a morte e a espiritualidade.


Os dezoito hinos recebidos (ou "percebidos") por Strazzer passaram a fazer parte, na época, de alguns trabalhos no Centro Eclético da Fluente Luz Universal Sebastião Mota de Melo - Ceflusmme, onde também os três filhos do ator eram fardados, e assim foram conservados. Para obter o download das mp3 desse hinário, clique em:


Colaboração: Jaime Wanner.

Um comentário:

Santo Daime.Umbandaime.Ayahuasca disse...

Artista e o Santo Daime:
Hinário Carlos Augusto Strazzer
http://www.nossairmandade.com/hinario.php?hid=103