28/03/2013

O Mestre, Cinco Pães e Dois Peixinhos

Colagem sobre fotos das gravações da Minissérie Amazônia (Tv Globo, 2006) no CICLU - Alto Santo, com fotos antigas do Mestre Irineu e seu Memorial. Foto do aparelho de rádio do Mestre Irineu, que tocava também boa música popular brasileira, e o forró era sempre oportuno a celebrar a grande alegria da fé. Com essa canção do grupo Xote Santo, homenageamos a humildade e a perseverança do Mestre Imperador Raimundo Irineu Serra (1890-1971), como exemplo de verdadeiro cristão para todos seus companheiros na Doutrina. FELIZ PÁSCOA !!!

25/03/2013

Em defesa de Mestre Alfredo



Tanto se discutiu a crise da Igreja Católica Apostólica Romana no advento do Papa Francisco, que se obviou entre os grupos aiauasqueiros a ausência de uma discussão de nível da presente crise do Cefluris (hoje Igreja do Culto Eclético da Fluente Luz Universal) nos círculos mais gabaritados a compreendê-la dentro de um ponto de vista sociológico. Faltam os devidos parâmetros de neutralidade talvez, já que injunções do esforço coletivo por legalizar a Ayahuasca no Brasil sempre pressionaram a se tomar um alinhamento ou outro, e uma política mal conduzida acirrou ânimos em ambos lados do “front”. O fato é que, legalizada a Ayahuasca e inserida no sistema, o Cefluris, que já foi a maior instituição religiosa usuária da bebida no mundo, passa necessariamente por uma crise de legalização interna, uma crise de legitimação de seu sistema interno de gestão. O tempo evidenciou falhas do sistema, ilegitimidades, falsificações ideológicas, e a solução implica em correções de trajetória que, no caso de Roma levaram à renúncia do papa tradicionalista, e no caso do Mapiá, confrontam o chamado Mestre Imediato, Padrinho Alfredo Gregório de Melo, e sua releitura personalista da Doutrina de Raimundo Irineu Serra, o Mestre Imperador.

Relembrando o passado, Alfredo nasceu Walfredo, em um seringal no extremo ocidente da Amazônia brasileira, conheceu a religiosidade cabocla dos amazonenses desde o berço, o espiritismo de mesa branca ainda na infância, e chegou no final da adolescência ao centro do Mestre Irineu, no Alto Santo, levado pelo pai, Sebastião Mota de Melo, em um episódio de cura. Através do Santo Daime desenvolveu seu talento musical, dando voz ao movimento “Nova Bandeira” com que se instituiu na Colônia Cinco Mil, comunidade formada por seguidores de seu pai enquanto líder espiritual, uma igreja separada do Alto Santo, um movimento próprio. É muito importante levar em conta isto: que a intenção original da primeira formação do CEFLURIS em 1974 não foi a de substituir o CICLU (Alto Santo), contrapondo-se a este, e sim de organizar a própria casa. Padrinho Sebastião não pretendeu ser o sucessor do Padrinho Irineu, chefiando o Alto Santo. Ele nunca teve essa ambição. Apenas quis ter a mesma liberdade de conduzir seus trabalhos em casa, com o seu grupo, que tinha recebido do Mestre Irineu quando se tornou feitor de Daime, e que não reconhecia em ninguém autoridade para retirar essa liberdade de preparar o próprio sacramento e escolher como e quando utilizá-lo com sua comunidade. Assim como em Porto Velho havia o CECLU (Centro Eclético de Correntes da Luz Universal), fundado pelo Mestre Irineu, e este não era formalmente submisso ao CICLU, assim se inspirou o novo Padrinho Sebastião e passou a exercer o dom de sua liderança. Assim começamos.

Em 1976, o Padrinho Sebastião havia recebido as primeiras levas de jovens de fora do Acre em sua comunidade, e em um grande rasgo de generosidade acolheu o uso da SM propondo-lhe a nova Doutrina de Santa Maria, mãe das mães. Quis dar a SM o status de Rainha, defender o seu uso santo como o uso que havia do Santo Daime. Foi um passo maior do que as pernas: seus amigos que haviam vindo do alto comando do Mestre, ao saber da novidade, o abandonaram. Uma seguidora entrou depois em um processo obsessivo, e teve de ser oculta da família porque seus irmãos eram do Alto Santo e não podiam ficar sabendo da SM. O Padrinho sentiu o peso da responsabilidade assumida e caiu em uma crise familiar, começando a deixar crescer aquela barba que depois seria usada como seu ícone máximo. Em 1977, a crise se aprofunda com o assassinato de um jovem macumbeiro a quem se havia dado autorização de dirigir trabalhos de quimbanda na Cinco Mil. No Acre, o Cefluris era considerado por todos os demais grupos usuários como uma enorme ameaça à legalidade do uso do Daime, pelo mau uso que faziam do nome de Raimundo Irineu Serra em seu centro, já que o Mestre não ensinara tais práticas nem seria de concordância com estas. Alfredo, junto com a diretoria do Cefluris, procurou resposta no Daime e no Mestre Irineu, e a decisão foi prosseguir com o que havia feito, para ver o que se podia fazer.

Aconteceu em 1978 a primeira abordagem do Conselho Federal de Entorpecentes, órgão do Ministério da Justiça. Foi o primeiro exame, quando o Cefluris começou a aprender como se relacionar com as autoridades federais, as pessoas que representavam o Brasil culto e letrado, as pessoas com formação universitária capazes de auxiliá-los a se inserirem no sistema. Conseguiram passar nesse exame e entender como estar sempre bem com as leis. Entenderam que seria necessário mais privacidade, e partiram para ocupar um seringal abandonado na floresta, o Rio do Ouro, onde os trabalhos espirituais pudessem ter mais liberdade. Enquanto isso, a igreja da Colônia Cinco Mil continuaria como vitrine, recebendo os novatos e preparando-os para aprofundarem seu estudos no Daime posteriormente no contexto do seringal. As dificuldades financeiras eram muitas, o sofrimento grande, e o Cefluris não fazia mais sombra ao Alto Santo. Em 1980 faleceu o presidente do CICLU, Leôncio Gomes, e mais uma vez o Alto Santo se dividiu, sendo erguida nova sede com a direção de Francisco Fernando Filho, o Tetéo: neste caso sim, uma crise sucessória pretendeu mudar a sede, mas já quando da criação do Cefluris, o que se quis foi criar uma sede própria, e não substituir a anterior, é importante ressaltar este aspecto. Em 1982, uma plantação de SM é apreendida na Colônia Cinco Mil, e isso reforça amplas suspeitas de que o Cefluris estivesse no Rio do Ouro para exercer ações clandestinas. De um modo pouco usual, o INCRA se interessou rapidamente na questão do Rio do Ouro e ofereceu ao Cefluris um outro lugar na floresta, só que no Estado do Amazonas, em um lugar onde a Escola Superior de Guerra já desenhara em suas aulas de geopolítica planos de formar um Parque Nacional. Alguns anos depois, os membros do Cefluris aprovariam, sob a batuta do Padrinho Alfredo, a Floresta Nacional do Mapiá-Inauini, com a qual o Padrinho Sebastião nunca concordara. Seria a Pax Romana, terminou sendo a Catedral da Floresta.

Em defesa do Mestre Alfredo Gregório de Melo, devemos dizer que seu hinário enquanto “Nova Bandeira” foi o primeiro hinário recebido nas cordas de um violão, o primeiro hinário interpretativo da Doutrina. Antes, no Alto Santo, os trabalhos rituais e o recebimento dos hinos vinham acontecendo sem instrumentos, baseados na simples audição e na capacidade de expressão musical de um irmão dentro do estado de “miração”. A partir da ampliação de sentidos proporcionada pela “Santa Maria”, e graças ao domínio crescente sobre o instrumento guitarra, o hinário do filho do Padrinho Sebastião passou a figurar como o exponencial do centro e seu principal fio condutor (lembremos que o hinário do Padrinho, “O Justiceiro”, foi encerrado em 1979, e por um longo período, antes que viessem os hinos da “Nova Jerusalém”, já era o hinário do Padrinho Alfredo que dava as cartas). Isto porque quem deu suporte ao pastorado de Sebastião Mota foi sua família direta, representada por aquele filho que deu voz ao Projeto Fluente Luz Universal desde o início, e que comandava o Cefluris "de fato" desde a saída para o Rio do Ouro. De certa forma podemos dizer que Alfredo conquistou primeiro a liderança da própria família, graças a eloquência de seu hinário, para então passar a exercer a liderança da comunidade, tanto o comando administrativo quanto o espiritual. O pai investiu nele como um novo Mestre, o revestiu da aura de Rei Salomão como se o hino 50 do Mestre fosse uma profecia e não uma celebração do próprio Mestre Irineu como bom juiz: isto foi uma interpretação pessoal da Doutrina, assumida como justa, quando de parte do Alto Santo se recebiam recados de que eles podiam “levar a farda e os hinos” mas não tinham o “segredo” do Mestre, e portanto, não tinham a legitimidade de serem portadores da Doutrina e distribuidores de Daime. Deu-se carta branca ao Mestre Alfredo desde 1979: e ele se sentiu um vencedor, pois conseguiu reunir um staff antes inimaginável e se ver como chefe do maior centro da Doutrina do Mestre Irineu no mundo, ou seja, um mais que legítimo sucessor na Doutrina. “No mundo não há segredo”, era o que dizia um hino do Mestre...

Acontece que o Mestre Alfredo teve de “comprar um peixe” para chegar a este ponto. O peixe que ele comprou foi um modelo de gestão de seu centro que, passados agora vinte anos da Eco92 e diante de um mundo cada vez mais veloz e transparente nas grandes redes sociais, se mostra insustentável. O Mapiá não é sustentável, o Cefluris não é devidamente sustentável. O Cefluris não foi capaz de formar um corpo de colaboradores a fim de pensar um modelo próprio de comunidade, de gestão solidária, de autossustentabilidade. Ora, se pensarmos que tem mais lucro quem compra dos ricos para negociar com os pobres, do que aqueles que compram dos pobres para negociar com os ricos, por que motivo em vez de se investir na aquisição de insumos baratos nas grandes cidades para produção e comercialização na Amazônia, gerando renda para o Mapiá, se adotou o modelo de querer produzir algo beneficiando matéria-prima da floresta para abrir mercado selecionado nas grandes cidades do planeta? Porque esse era o pensamento da época, a forma de ver dessas pessoas cujo interesse básico sempre foi pura e exclusivamente ter acesso ao Daime em seus próprios locais, “vamos celebrar a Natureza e a Paz”, e poucos tinham interesse de se dedicar a erradicar a miséria nas áreas ribeirinhas da Amazônia ou mesmo entendiam tal necessidade.

Que interesse tinham em criar empregos para colocar mais gente pobre do Purus para se escorar lá no Mapiá? O interesse era o turista místico, o aprendiz de xamã, o intelectual alternativo, uma outra classe de gente. Foi aí que se perdeu uma grande batalha. Sem perceber, o modelo de comunidade florestal que era desenhado em Visconde de Mauá, no Rio de Janeiro, pela equipe do competente Alex Polari, foi esvaziado. O Mapiá se tornou um sanatório, e tudo passou a ser quantificado e qualificado de acordo com uma regra política que determinava que o Cefluris organicamente centralizava-se no Mapiá atendendo a uma demanda de caridade não local mas “amplamente” humanitarista. Uma catedral na floresta é um polo de atração turística. Mas não sendo um turismo sustentável, o culto nela desenvolvido deixa de ser visto como de serviço devocional. O próprio Mestre Alfredo já vem preferindo seus torreões e torrões no Céu do Juruá. O modelo de gestão que não funcionou no Mapiá, esse precisa ainda ser substituído e não replicado para comunidades indígenas como alguns ameaçam fazer em breve, por isso a vinda da AMAGAIA para formar uma ecovila na Boca do Mapiá significará uma guinada no sentido do Cefluris mais comunitário, onde a irmandade seja percebida através do pão que realmente se ganha junto para se comer na mesma mesa, e não apenas através do pão que é oferecido para poder se sentar a mesa.

Da “Nova Era” a “Nova Dimensão”, a interpretação que o Padrinho Alfredo faz da Doutrina de Juramidam está sendo cada vez menos bem interpretada. A legalização do Santo Daime realizada, depois que os centros todos se deram conta de que respondiam individualmente por suas obrigações junto a Constituição Federal Brasileira, e não em grupo, agora é o tempo da legitimação dos comandos. Há muito comando estelar no mundo da Ayahuasca, e o do Mestre Alfredo é um dos tais, que tão generoso em liberdades foi que em muitos casos resultou visto como omisso. De certa forma, o Cefluris chegou a um ponto de crescimento tão disfuncional dentro desse sistema de gestão equivocado, que passou a “franquiar” pequenos núcleos com interesse de aumentar a base de arrecadação financeira de suporte da matriz. Como não houve nenhum projeto de criar mecanismos de geração de renda para os membros do Cefluris na Amazônia, o sacramento do Santo Daime é que passou a ser fonte de renda dos moradores daquelas comunidades daimistas na Amazônia. O pior: em muitos casos, a principal senão única fonte de renda. É um modelo administrativo claramente perverso, depreciador da Doutrina e injusto para com o passado de etnoterapeuta do Padrinho Sebastião e, antes dele, do Mestre Irineu. Isto não era necessário para que a Doutrina chegasse ao mundo todo, como defendem os criadores de biografias cor-de-rosa: vamos quebrar estes falsos paradigmas, afinal, conhecendo a Verdade é promessa de Cristo que dela nos vem a Liberdade. A quem vendeu esse modelo de gestão, pouco lhe importava estar vendendo peixe cheio de espinhas, e quem comprou teve interesse, mas seguramente não fazia ideia do espinheiro que teria que aturar para corrigir décadas de desatino depois disso.

O que conta a favor do Padrinho Alfredo,sem dúvida são as inúmeras curas e bênçãos que seu hinário e o trabalho de seus seguidores vêm trazendo em vários cantos do planeta, levando luzes da Doutrina do Mestre Irineu e do Padrinho Sebastião para muitos corações. O que devemos compreender de toda sua grande luta, seu grande estudo a frente do Cefluris é que às vezes a gente quer consertar algo mas não pode intervir porque ao consertar esse aspecto, outro aspecto existe que pode se desconsertar, e a gente acaba passando por ineficiente. Quem trabalha com uma questão, para ser imparcial, deve poder analisar a situação e conhece-la de todos os lados, para emitir um juízo mais justo, e certo, porque o errado só se corrige com o certo, e não com o “quase certo”. Em nome do Mestre, Alfredo topou aguentar muita bordoada. E digamos: bom juiz, sábio, conselheiro, tudo isso foi o Rei Salomão, podemos ler no Livro de Eclesiastes. Ao Mestre Alfredo falta ainda conseguir traçar novas diretrizes para o Cefluris, e renovar os seus quadros. Até o ano 2000, a rede de comando do Padrinho Alfredo alcançou proporções inimagináveis para o Cefluris dos anos 80, mas depois disso houve uma reconvexão que veio se acentuando até 2010 quando da tragédia do Céu de Maria, em São Paulo, onde vários equívocos do sistema por fim foram se desvelando. Em 2012, a “cúria” do Mapiá entregou os cargos, assumindo a administração do Cefluris uma equipe que se anunciou “de transição”. Foi observado que a “cúria” não realizou uma desejável autoanálise no momento de renunciar aos seus postos de subcomando, apenas passou o bastão sem nenhuma autocrítica.

A favor do Padrinho Alfredo, podemos dizer que, o modelo de gestão adotado pelo Cefluris foi aquele que lhe foi disponibilizado pelas pessoas em quem necessitou depositar sua confiança, e todas as deturpações do “modus vivendi” da comunidade foram resultantes de movimentos maiores da humanidade, foram alterações e problemas que aconteceram em todas as famílias do Acre, em todas as famílias do Brasil, e o centro trabalhou essas questões. Está bem, mas as coisas não se resolvem por si só, o Daime não é uma cornucópia nem uma panacéia, e Deus deu ao homem a capacidade de gerir o seu destino, de pautar o seu livre-arbítrio através do esclarecimento e da ampliação da capacidade de diálogo, para que um Império do Amor floresça. É isto que se espera de um Mestre, reconhecer os próprios desvios de trajetória originados por circunstâncias materiais ou espirituais, a fim de sempre dispor da autocorreção e do autoaperfeiçoamento. Reinterpretar sua própria Doutrina, é o que se espera do Padrinho Alfredo Gregório de Melo: que governe seu povo com muita alegria na responsabilidade, e também muita fé na saúde, que o Mestre dos Mestres com certeza não desampara nem desamparará ninguém, jamais.

Confiram os hinários do Padrinho Alfredo em Daime.org

Sol, Lua, Estrela



"O símbolo de São Jorge tocando a língua do dragão, como representação do processo de individuação, de tomada de consciência, sendo feita sob a supervisão de ser divino (São Jorge) é comum em várias religiões sob forma variada, pois que o TAO, por exemplo, representa justo isso, que em todo Yin existe em potencial o Yang e que em todo Yang existe em potencial o Yin; e também que em todo ser inconsciente está a consciência em estado potencial. Por este motivo, São Jorge, o guerreiro, Pai, Sol,Yang, consciência, está também na Lua/inconsciente como diz o ponto: “São Jorge está na lua…” e Ele é Ogum Beira-Mar ou Sete-Ondas, simbolo igual ao de Jesus à beira do lago de Genesaré olhando para este., o Ser Divino que assiste nossa evolução."

Fonte: José Maria Acquaviva, em "Povo de Aruanda"

26/10/2011

Daniel Arcelino Serra (1939-2011)

DANIEL SERRA, UM JARDINEIRO DO MESTRE
homenagem por Eduardo Bayer Neto
 
Daniel Serra e o Mestre, em foto de Lou Gold : Daime Diverse
O conheci primeiro pelas fotos que o meu padrinho guardava do velório do Mestre, o Daniel Serra sobrinho do Mestre Irineu, ainda jovem pai de família em 1971 aos vinte e oito anos de idade. Eu residia na Colônia Cinco Mil e trabalhava na cidade, e numa dessas vindas ao centro da capital, quando descíamos de braço dado, eu e o padrinho Wilson Carneiro, a rua do Palácio das Secretarias, foi que eu o vi pessoalmente pela primeira vez, de modo inesperado: um negro muito distinto, de olhos amendoados, com um semblante que lembrava muito o Mestre Irineu. Tratou muito bem o "Seu Wilson", apesar da profunda separação entre o Alto Santo e o Cefluris, e, como fazia pouco tempo do falecimento do padrinho Sebastião Mota, seu Daniel fez questão de relembrar a última vez em que haviam estado juntos, em 1988, quando o padrinho Sebastião passava por Rio Branco retornando do Rio de Janeiro (mesma época em que gravamos o documentário "São João na Terra") e ao reve-lo veio lhe dar um forte abraço e caiu em lágrimas, demonstrando o apreço e a saudade que tinha pelo sobrinho do Mestre a cujo lado dera seus primeiros passos no bailado do salão. Foi assim então que eu o conheci de passagem naquele dia.

Tempos depois, eu em minhas atividades de pesquisa, recebi o fotógrafo Luiz Veiga para uma mostra de vídeos ecológicos em Rio Branco, e como este quisesse registrar os centros aiauasqueiros, levei-o num 6 de julho ao Alto Santo. Após a missa no túmulo, quisemos ir ao centro do Alto Santo, onde nunca antes eu estivera, e depois de passar a porteira e adentrar o terreiro, quem foi ao nosso encontro para receber-nos foi ele, o próprio Daniel Serra, então comandante da ala masculina do salão da viúva do Mestre Irineu. Sério, mas muito gentil, explicou-nos que por não haver solicitado previamente, não poderíamos fotografar nem comungar o Daime, apenas assistir a celebração. No ano seguinte, Centenário do Mestre, o reencontrei levando a mãe, Dona Cota, fardada, para visitar o grande galpão onde foi realizado aquele festival, e se dizia comovido pela celebração promovida por seu compadre Luiz Mendes ao lamentar que tal festejo não fosse realizado na sede da madrinha Peregrina. Acredito hoje que esse grande gesto diplomático seu teve iniciativa em parte a partir da leitura da reportagem que publiquei na ocasião sobre a terra natal do Mestre, São Vicente Férrer, evidenciando que coubera a um seguidor do padrinho Sebastião a proeza de em pouco tempo e com poucos recursos encontrar e registrar a casa onde Raimundo Irineu Serra nascera, cem anos antes, bem como os seus familiares que tinham mais lembranças da convivência com o Mestre quando do seu retorno ao Maranhão no final dos anos 50, memorável viagem esta da qual trouxera Daniel e dois de seus primos para viver no Acre. Para ele passei a ser um "herói" desde então, e ficamos mais amigos, o que me proporcionou oportunidade de visitá-lo amiúde para longas e tranquilas conversas instrutivas.

"Vejam como eu sou humilde... E sou bonzinho de coração... Eu falo com todos vós... E a todos eu presto atenção...", eram os versos do hinário do padrinho Sebastião que Daniel Serra jamais esquecera. Apesar de ter chegado a ser indicado por seu tio a ficar como comandante depois de sua passagem (*), o que ele declinou em razão de ser ainda muito jovem em 1971, ele foi um dos fundadores em 1975 do Centro Eclético da Fluente Luz Universal "Raimundo Irineu Serra", o Cefluris, o que demonstra que a liderança do presidente Leôncio Gomes à frente do Alto Santo era discutível dentro do próprio "estado maior" da Doutrina, e que a liderança do padrinho Sebastião Mota, era considerada natural para pessoas do círculo familiar do Mestre Irineu. A infância do Cefluris, entretanto, durou pouco naqueles anos 70: logo a ela chegaram os livre-pensadores hippies, com eles a Santa-Maria, e quando o assunto veio à baila entre os fundadores mais antigos, a decisão deles foi de retornar ao comando do presidente Leôncio Gomes. Chegou logo a adolescência e suas mutações, motivos de grandes aflições e destemperos, e depois do Rio do Ouro e a criação de novas comunidades no sudeste brasileiro, pode-se dizer que o Cefluris fundado no Mapiá é que chegou à fase adulta enfrentando suas consequencias e recebendo cada vez maiores responsabilidades. Daniel Serra, que gostava muito de lembrar de uma de suas primeiras mirações quando vira uma grande régua igualando a todos pois perante a Deus todos eram do mesmo tamanho, e que também acreditava na palavra cristã de "quem não nascer de novo, não verá o reino dos céus", não fazia acepção entre pessoas, espelhando-se no Mestre que lhe ensinara a tratar a todos por igual, e foi assim que, depois de ter deixado o seu comando no Alto Santo resolveu se dedicar a conhecer os seguidores de seu tio espalhados pelo Brasil afora e assim colaborar com a apresentação da Doutrina e sua história em conformidade com os preceitos fundamentais e fundamentadores deixados pelo Mestre Irineu, o que a partir do ano 2001 encontrou condições de realizar.

"Desde pequeno eu já ouvia falar do meu tio Irineu, porque quando era pequeno morava com sua mãe, minha tia avó Joana Serra. Ela sempre falava dele, pois esperava que um dia ele voltasse. Fazia até bolo para ele e ninguém podia comer. Cansei de ver sapatos e roupas dele lá na casa dela. Além de mim, havia outros primos morando com ela, tudo da mesma idade. Toda noite ela colocava a gente para rezar, todo mundo ajoelhado em frente a Santa. Ela rezava na frente e a gente repetia até cansar, tinha uns que dormia ali mesmo ajoelhado, aí ela mandava dormir. O mais engraçado é quando ela brigava com um de nós que não estava prestando atenção na reza, aí a gente também repetia. 'Presta atenção, menino!, aí a gente repetia 'Presta atenção, menino!'."

Em depoimentos como este de Daniel Serra, recolhido por Mivan Gedeon, vislumbramos um pouco dos aspectos da religiosidade familiar do Mestre Irineu. E foram muitos os depoimentos que ele deu sobre a história do Mestre, em toda parte onde andou, que puderam iluminar uma multidão de corações. Ele, com toda sua autoridade fez todo esse trajeto missionário como um jardineiro do Mestre, mesmo não aprovando o uso da Santa-Maria, pois reclamava do pessoal da Cinco Mil ter inventado uma "lenda rural" sobre um certo Cabo Moraes que, sendo usuário de maconha, afirmara ter um dia provido o próprio Mestre, já ancião, daquele fumo. Daniel Serra, assim como o Mestre, certamente observou o uso do "pito-de-diamba" no Maranhão quando jovenzinho, mas nunca quisera experimentá-la, e não tinha problemas em contar que o Cabo Moraes era um dos frequentadores do Alto Santo em tempo do Mestre, e que um dia ao passar por casa deste chegou a ser-lhe proposto um cigarro da planta, prontamente rejeitado. A base que dava para sua atitude era a de que foi o uso desregrado da planta é que corrompera a Doutrina em alguns centros, embaçando o processo terapêutico do Daime e conduzindo muitos seguidores a processos autodestrutivos em decorrência da irresponsabilidade por ela acentuada nos indivíduos. Sua mãe, Dona Cota, da tradição afromaranhense conhecia e utilizara a diamba como chá para perturbações menstruais, mas para Daniel Serra a planta era coisa que não lhe dizia respeito, segundo ele o Daime lhe dava tudo do que ele necessitava, seu compromisso era com o Daime e esta a sua escolha - o seu ecletismo evolutivo (**).

O importante era que Daniel Serra não fazia discriminações, e procurava aceitar a cada um de acordo com a sua própria natureza, sem deixar entretanto de apresentar seu conselho de prudência. Tinha, é claro, algumas pessoas com quem tinha ou tivera problemas de convivência, como o Tetéo, Francisco Fernando Filho, de quem contava havia se engrandecido com os dons que o Mestre lhe dera, mas nem por isso menosprezava os hinos do Tetéo ou de quem quer que seja. Ao abrir sua igreja em São Luís do Maranhão, alguns pensavam que ele, por incorporar aos trabalhos de concentração o canto dos chamados "hinos de oração do padrinho Sebastião", este deveria pedir algum tipo de autorização aos dirigentes do Mapiá e estar vinculado a eles, o que demonstrava certamente tamanho desconhecimento da Doutrina que o "padrinho Daniel" apenas fazia sorrir consigo mesmo. O Centro de Iluminação Cristã Estrela Brilhante, CICEBRIS, que Daniel junto a sua esposa Dona Otília e a família de sua filha única, Maria do Carmo, fizeram erguer na Grande São Luís, foi marco dessa autonomia e dessa independência constituída pela personalidade de um ariano forte, de muita boa vontade e dedicação à Doutrina deixada por seu tio.

Tenho muita esperança de que a irmandade maranhense conduzida pelo padrinho Daniel possa prestar agora suas homenagens ao nosso querido amigo, conservando sua obra e organizando sua casa para representar dignamente a obra de Raimundo Irineu Serra, personalidade histórica acreana, em sua terra natal, o Maranhão. Para isso, o CICEBRIS já dispõe de sessenta hectáreas de terra em São Vicente Férrer, doadas por um irmão paulista, justamente as terras que pertenceram à mãe do Mestre, onde Irineu e Daniel vivenciaram, cada um a seu tempo, a aurora de suas vidas, e onde muitos familiares do Mestre Irineu ainda vivem de modo muito humilde e autêntico e oxalá possam ainda serem apoiados por seguidores da Doutrina da Rainha da Floresta a formar sua escola, sua comunidade e sua "Casa Santa".

Lá onde chegou, agora que se aposentou do fardo material, Daniel Serra teve à sua espera muitos luminares e muitas respostas importantes da Doutrina. E lá, seguramente, Maria Serra, sua mãe, Dona Cota, está a cantar na sua cadeira de balanço o seu barquinho azul, descortinando-nos novos primores a serem alcançados. Sobre toda a humanidade!

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Para conhecer os cinco hinos que compõem o caderno de hinário de Daniel Serra, cliquem em: Lucas Serra - Soundcloud
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* Conheçam a Ata de 1971

** No século XIX, a filosofia de Victor Cousin, se autodenominou espiritualismo eclético, emprestando a esta tendência características de conciliação e moderação próprias de uma vertente do pensamento neste século. O pensamento de Cousin se autodenomina eclético porque pretende descobrir e afirmar a parcela de verdade contida em todos os sistemas filosóficos.
Cousin realiza vários estudos concernentes à história da filosofia, e termina por compreendê-la como a sucessão de quatro correntes principais: sensualismo, idealismo, ceticismo e misticismo. A cada uma destas doutrinas, é preciso reconhecer seu valor e, simultaneamente, apontar seu caráter de parcialidade. O sensualismo descobre a experiência sensível como fundamento da realidade; contudo, ela pretende reduzir todo real a esta única dimensão.
O idealismo aponta para o sujeito como fonte da realidade; ao indicar esta nova dimensão, porém, ele renega a experiência sensível, incorrendo, assim, no mesmo erro cometido pela primeira corrente analisada. Por sua vez, o ceticismo refuta as posições anteriores como dogmáticas; mas, não compreendendo a verdade parcial contida nestas posições, acaba por negá-las integralmente, incorrendo, deste modo, igualmente, em dogmatismo.
O misticismo consiste no escape aos erros precedentes, por situar-se aquém de toda análise; o que este pretende é consagrar-se como expressão da espontaneidade. Estas quatro doutrinas constituem quatro modalidades de apresentação do espírito. Contudo, este se realiza na história ao modo de retornos cíclicos. A verdade se apresenta, na história, disseminada por tais formas de pensamento, como um percurso necessário, que se repete indefinidamente.
Saibam mais sobre o ESPIRITUALISMO ECLÉTICO em http://www.coladaweb.com/filosofia/ecletismo-espiritualista


30/01/2011

A Alvorada, de Ana de Souza


Temos um grande prazer de multiplicar para a irmandade daimista o hinário da irmã Ana de Souza. Dona Ana era casada com o Senhor Elias Brito, fazendo parte do grupo de seguidores que o Mestre Irineu trouxe para morar no Alto Santo. Deixou estes 27 hinos que se destacam por sua mensagem, um pequeno caderno de hinário de força e transformação, que podemos até comparar com outros pequenos hinários recebidos por mulheres, como o da irmã Maria Damião ou da Madrinha Rita, que parecem mais curtos, concentrados, para assim elevarem o nível do trabalho. Ana de Souza, mãe da Madrinha Riselda, esposa do Padrinho Luiz Mendes, já partiu para o lado do Mestre, mas apresenta aqui, através da voz de sua filha e de seus descendentes, todo o vigor das filhas diletas da Rainha da Floresta. Apreciem!

Para baixar este hinário, cliquem nos links abaixo:

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Bom trabalho!

Nota: Este nosso blog inicia o ano de 2011 com o propósito de resgatar os links perdidos das publicações anteriores, e para tal agradecemos de coração todo aquele irmão que nos puder auxiliar nesta tarefa, disponibilizando novos uploads e links para locais para armazenamento de arquivos, já que até aqui viemos dependendo quase que exclusivamente de sites como o 4shared, que infelizmente aceita um número limitado de downloads. Aguardamos sua comunicação conosco diretamente no endereço paula.animanet@gmail.com, aos cuidados de Paula Gasparini. Em breve, aqui no Cadernos de Hinário, novas publicações!...

12/04/2010

A Santa Fé

lírio selvagem da Palestina

"A música, os estados de felicidade, a mitologia, os rostos trabalhados pelo tempo, certos crepúsculos e certos lugares querem dizer-nos alguma coisa, ou alguma coisa disseram que não deveríamos ter perdido, ou estão prestes a dizer-nos alguma coisa; esta iminência de uma revelação,
que não se produz, é, talvez, o fato estético
".
(Jorge Luis Borges)



Há ideologias sem ideal que se renove, e talvez sejam mesmo a maioria delas no mundo de hoje. É quando mais importantes que novas ideias são os ideais estabelecidos, e portanto os ideários, e assim qualquer nova ideia passa a ser vista como suspeita, potencialmente uma fonte de desordem ou uma nota desarmonizadora na melodia fechada. Fosse sempre assim e já não haveria civilização, pois o alento da humanidade é o fato de geração após geração poder reinventar-se a si própria e melhorar as formas de convívio. Para uma ideologia estar aberta a novas ideias despontadas em seu bojo é preciso que seja como um bom vinho, sempre em processo de amadurecimento, sempre a melhorar suas notas e seu encorpamento, assim facultando que melhor saboreio dele possa ser proporcionado. Chegamos assim a um símbolo cristão: e há que ser amor para transformar pura água em vinho, e ter amor para que o vinho siga aperfeiçoando-se em vinho, e não desista de sê-lo para transformar-se em vinagre.

Já que tocamos em símbolos, e mistérios cristãos, podemos seguir nesse âmbito e definir o que seria uma Santa Fé. No aspecto das palavras, Santa Fé pode ser compreendido como "crença sadia", acreditar em instruções que tenham substância, sustança, suporte e amparo. A Santa Bíblia diz que devemos confiar apenas em Deus, e não em outro homem. Porque o homem nada é se não espelhar a essência divina, se não expressar em sua vida aspectos incorruptíveis que provenham de sua origem mais pura e fundamental, que era o estado de harmonia que possuíamos no seio de Deus. A vida material porcerto nos oxida, a todos, nos corrompe e nos contamina, e cabe ao homem empreender o eterno retorno às suas fontes imateriais, em eterno reciclar-se, sem perder sua conexão com suas origens nem com seus propósitos - é daí que vem a palavra "religião", o religar-se, não perder-se de si mesmo para não adulterar-se, para não trair sua própria essência (evoluir sim, mas sem deixar de ser "vinho" jamais).

É o homem, o ser humano, um contraditório por si próprio: este é o preço do livre-arbítrio, o pecado original pelo qual respondemos coletivamente enquanto quisemos nós ser responsáveis em fazer nossas próprias opções, decidir entre o bem e o mal por nós mesmos, e não estar sujeitos a uma obediência cega a um Criador que nos ordenava apenas o que podíamos e o que não podíamos fazer. Ansiamos por responder individualmente a nossas próprias decisões, e pagamos por essa liberdade nessa dimensão material onde há tanto a vida quanto a morte, e onde para nos defender precisamos organizar-nos em sociedade, onde, portanto assumindo o contraditório, temos sempre uma liberdade controlada, sujeita ao controle de grupo, de modo que, por não querermos obedecer cegamente a um Pai-Mãe Criador, nos vimos obrigados a obedecer (muitas vezes iludidos ou iludindo-nos) a outros homens, a eles reverenciando sua autoridade à frente de nossas forças, de nosso suor e de nosso sangue. É por isso que penamos neste mundo, porque as formas de poder que criamos sempre favorecem uns em desfavor de outros, e assim caminha a humanidade sobre tantas desumanidades: pois em vez de obedecer à imparcialidade que existia perfeitamente por parte de Deus-Todo, passamos a obedecer às parcialidades que agem imperfeitamente da parte do homem.

Em quem confiamos? A lei é para todos, dizemos nós, mas as leis feitas pelo homem até ontem sempre estiveram sujeitas ao valor das autoridades. Em nome de preservar a autoridade de instituições humanas como o Estado, a Igreja, o Sistema Acadêmico, o Sistema Financeiro, o Congresso, etc., a lei não é aplicada muitas vezes a pessoas em posição de autoridade. Torne-se autoridade e a lei favorecerá os privilégios de sua posição, até o ponto de omitir-se na impunidade, pois mais importante que os homens são consideradas as instituições, e em nome do "bem-estar comum", muitos crimes deixam de ser punidos: são acobertados, mascarados, protegidos, em muitos casos por suas próprias vítimas. Não precisamos nem dar exemplos, o leitor poderá por si próprio lembrá-los, pois a História está repleta deles, e a grande esperança das novas gerações é de que os avanços tecnológicos da velocidade e volume de informação venham a favorecer a transparência das instituições e a isenção e não-omissão do sistema judiciário. Sim, as leis humanas são falhas e também dependem de interpretações calcadas por hábitos e padrões culturais vigentes, como o pensador francês Montaigne há cinco séculos atrás já elucidava em sua leitura do mundo em transformação na época dos "grandes descobrimentos".

A lei divina, entretanto, existe, e é justa. Podemos compreende-la inclusive como uma lei da Física, uma lei de Harmonia Universal. Toda força empreendida em um sentido recebe uma força equitativa em sentido contrário. A Física pode ser incapaz ainda de quantificar certas energias, como as forças do pensamento e as do inconsciente, mas a milênios isso vem sendo exercitado no campo da Filosofia e traduzido inclusive em artes marciais do Extremo Oriente. O que sabemos grosseiramente no Ocidente é que a violência de um murro contra uma parede se reflete em igual agressão contra o punho de quem golpeou: o que seria mais elaborado de compreender é que, quando Cristo fala nos evangelhos canônicos que, se te golpeiam numa face, podes oferecer a outra, é que, se não exerces o direito de resposta (não te deixas mover pelo reflexo de revidar a agressão sofrida) já há uma resposta natural do agressor, que à sua injustiça recebe a devida justiça de retorno. Faça o bem, deseje o bem, e receberás em dobro; faça o mal, deseje o mal, e o receberás de volta, sem que por isso precise atuar a vontade do outro - a lei de equilíbrio universal é uma lei de perfeita compensação. Ninguém é capaz de construir sua felicidade a custo da infelicidade alheia, e isto não é uma força moral (normatizada por convenções) e sim uma potência ética (capacitada por injunções). Simplificando: a cada um, o peso da própria cruz, mas unidos somos mais fortes, podemos tornar mais leve o rigor da caminhada. A lei divina, universal, é perfeita: a lei humana, parcial, falha. Confiemos mais em Deus, portanto, e não apenas no juízo dos homens.

Voltamos assim à Santa Fé. E agora faz-se o momento de abordar a fé no Daime. Reza esta Doutrina religiosa amazônica que a comunhão de uma bebida miraculosa nos serve de veículo para obter de Deus aquilo de que necessitamos: "Dai-me fé", "Dai-me amor", "Dai-me segurança"... - são muitos os pedidos, e quem se esforçar por merecer é por Deus recompensado. Irineu Serra, que em sua visão da Rainha da Floresta como Mãe Criadora, Mãe Celestial, Senhora da Conceição e todos os epítetos da Virgem Maria do catolicismo popular, predicou tal Doutrina e não rotulou o nome de seu vinho sob qualquer substantivo ou adjetivo, apenas o categorizou como veículo de invocação dos seres divinos do plano espiritual, afirmando em sua prática ritualística um método seguro de convivência das dimensões material e espiritual para seu consumo; jamais também colocou como propósito de sua doutrina o proselitismo evangelizador, a criação de uma organização religiosa ou sectária. Sabia ele das imperfeições humanas que seriam obstáculo constante a semelhantes pretensões.

Doutrinar o mundo inteiro sem a nada temer, para esse Mestre navegador dos planos superiores, podia ser realizado no singelo âmbito de seu salão de estudos, apenas comungando da seiva florestal e concentrando-se no Cristo interior. Recebendo a força daquela poção amazônica, o ritual facultava a aprender manejá-la para direcionar sua luz a benefício dos mais necessitados. Apenas isso, na simplicidade de um compromisso escolar de querer aprender e ter bom comportamento sendo obediente às regras de convívio, e isso se refletiria não apenas na comunidade, não apenas no bairro, não apenas na cidade, na província, no país, mas no mundo inteiro, em toda a humanidade. A fé não move montanhas? Se os membros de sua casa fossem fiéis à Doutrina (não ao homem que a transmitiu sob ordens da Rainha que lhe era a professora, pois isso seria apenas a consequência, não o objetivo), fiéis ao ensinamento ali proporcionado tendo como veículo (e não como combustível) aquela bebida milagrosa, aí sim, se acenderiam na humanidade toda as luzes do aperfeiçoamento do ser humano, resultando assim em paz, em benesses do amor e da caridade, verdadeiros ensinamentos cristãos.

Esta a Santa Fé, a "crença sadia". Não uma doutrinação de almas que dependesse de uma presença material, de uma instituição humana multiplicada em diferentes fronts culturais nos cinco continentes, pois isto seria incompatível com a simplicidade e a humildade requeridos para o serviço espiritual. Já ali, no microcosmo do território acreano, quinhão ocidfental brasileiro, mostrava-se ser difícil estar regulado pelas opiniões alheias, pelas normas jurídicas e convenções sociais das autoridades e suas correspondentes instituições pautadas no "mundo de ilusão"; como poderia ser, se isto necessitasse abarcar não só a própria região berço das plantas componentes da bebida, mas também o resto do mundo onde isso se revestiria de um caráter de "exotismo", precisando ser traduzido e portanto estando sujeito a interpretações pessoais ainda mais distantes da realidade? Irineu Serra não apregoou ter uma bebida que fosse uma panacéia universal, um remédio para todos os males da humanidade, uma cura única para todas as doenças: não mentiu, não enganou, não iludiu, e sempre procurou ser fiel para com os ensinamentos a ele transmitidos diretamente pela Rainha da Floresta ou através de seus companheiros de serviço. Foi um homem coerente consigo mesmo, compreendeu seu carma e transformou-se para obter seu darma. Avatarizou-se, assim, por seus próprios méritos, unificando-seà bebida que um dia conheceu como comunhão indígena com a floresta e à qual por seu trabalho espiritual ao longo de sua vida teve a alquimia de prescrever como comunhão cristã.

A humildade e simplicidade do Mestre presente em matéria fez com que, entretanto, em seus últimos anos de vida Irineu Serra visse com naturalidade a ingenuidade de muitos de seus seguidores em quererem arvorar-se como autoridades da nova Doutrina. De antemão sabia os que, depois de sua morte, por qualidades naturais de liderança, pretenderiam demonstrar tal autoridade em posições de chefia e poder. Em um de seus últimos hinos, disse que para estar junto ao Poder da Virgem da Conceição era preciso ter fé e amor, e não esquecer de dar sempre valor aos seus irmãos. Isso ele, o Mestre, fez: deu valor a todos que o acompanhavam, "na esperança de um dia" eles compreenderem o que lhes havia sido ensinado. Assim ele fez suas despedidas, deixando a matéria pesada pelas contingências da experiência da vida humana, e transcendeu, no sentido literal da palavra, as dimensões humanas, realizando as promessas que por muitos anos lhe foram entregues pela Mãe Divina.

Os que ficaram como seus continuadores, presos às limitações de seus aspectos humanos, viram-se às voltas com enigmas encerrados no cerne da Doutrina e que não teriam capacidade de explicar: o trono do Mestre não aceitou substitutos, e todos que ousaram pretender saber de tudo e quiseram alterar uma vírgula do que ele deixou disposto, todos estes foram penalizados, fossem boas ou más suas intenções, pois o critério fundamental de seguir semelhante Doutrina é ter fé. A Santa Fé. Ainda hoje procuramos elucidar, esclarecer alguns pontos como, por exemplo, o fato do salão de estudos do Mestre aceitar apenas os rituais por ele prescritos, sendo que todos os demais estudos religiosos que queiram ser realizados com sua presença, isto é, a comunhão do "Dai-me", são acompanhados por ele apenas se efetivados em outro ambiente pertinaz. Aos tropeços, e sob rebeldias, expandiu-se o leque dos admiradores da obra do Mestre Irineu Serra em todo o mundo, o que não deixa de possuir grande mérito, sem dúvida, mas que não condiz com sua Doutrina verdadeiramente se não estiver identificado com as normas rituais de preparo e consumo da ayahuasca por ele ensinadas, e, principalmente, com os padrões de conduta humilde e despretensiosa por ele observados. No âmbito da Fé, podemos confiar que nada nos falta, Deus obra por nós: é a leitura do evangelho de Mateus, capítulo 6 (vv. 25-34):

"Portanto, eis que eu vos digo: não vos preocupeis por vossa vida, pelo que comereis, nem por vosso corpo, nem pelo que vestireis. A vida não é mais do que o alimento e o corpo não é mais do que as vestes?
Olhai as aves do céu: não semeiam, nem ceifam, nem recolhem nos celeiros, e vosso Pai celeste as alimenta. Não valeis vós muito mais que elas?
Qual de vós, por mais que se esforce, pode acrescentar um só segundo à duração de sua vida?
E por que vos inquietais com as vestes? Considerai como crescem os lírios do campo; não trabalham nem fiam. Entretanto, eu vos digo que o próprio Salomão no auge de sua glória não se vestiu como um deles.
Se Deus veste assim a erva dos campos, que hoje cresce e amanhã será lançada ao fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé?
Não vos aflijais, nem digais: Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos? São os pagãos que se preocupam com tudo isso. Ora, vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso.
Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo.
Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã: o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado".

A estas palavras de Jesus Cristo, acrescenta-se no evangelho de Lucas, capítulo 12, essa lembrança:

"Não temais, pequeno rebanho, porque foi do agrado de vosso Pai dar-vos o Reino".

Não cabe a nós engradecer-nos, mas sim à vontade do Pai, à bondade da Mãe. A quem muito foi dado, muito lhe será exigido. Quem se satisfaz com o que tem, a este nada irá faltar. Assim é a Santa Fé. Não tem auto-indulgência nem indolência, não tem medo nem a nada cobiça, segue simplesmente com amor o que lhe foi entregue. Irineu Serra como Mestre da Doutrina da Rainha da Floresta deixou bem claro o que queria e o que seria o compromisso de seus companheiros. Ninguém é perfeito, mas ninguém pode deixar de querer aperfeiçoar-se. Isto é o mesmo que dizer que ninguém sabe tudo, mas ninguém pode deixar de querer aprender. A fé, mesmo que seja do tamanho do menor dos grãos, é capaz de realizar milagres. O que a Doutrina professa é a mesma verdade do Cristo: é isso que viemos repetindo o tempo todo, e tudo o mais é desnecessário dizer. O que é preciso é entender, ajustar a ótica que foi distorcida por reflexos do mundo de ilusão. Se enxergarmos corretamente o tesouro que nos foi entregue, será o mundo externo que terá que ajustar seu enfoque. Assim surgirá um novo mundo, do qual estamos muitos à espera. Cabe a cada um decidir agora em que tipo de mundo almeja viver.

01/03/2010

"O Caderno" do irmão José Mota

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José Mota é o filho homem mais novo do Padrinho Sebastião Mota de Melo. Começou a receber seu caderno de hinário ainda nos tempos em que o Cefluris se mudou para o Seringal Rio do Ouro, e o título do mesmo está relacionado com um de seus hinos que dizia que se devia cuidar para o caderno não cair no chão. Genro do Padrinho Wilson Carneiro, tem três filhos com Gecila Teixeira: Moisés, Joseana e Miracy. Foi um dos fundadores da Vila Céu do Mapiá, no Amazonas, e continua residindo lá na proximidade da família, em especial de sua mãe a Madrinha Rita a quem dedica seus cuidados. Feitor de Daime e músico, é também uma das principais vozes em defesa da manutenção da obra de seu pai como seguidor da tradição do Mestre Irineu.
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Para baixar os hinos de "O Caderno" juntamente com o texto pronto para impressão, acessem:

31/01/2010

Regina della Pace

Madonna de Medjugorje, de Tim Darnell

"I beg you, dear children, beginning today, start to love. With a burning love, the love with which I love you." (Our Lady of Medjugorje to visionaries, May 29, 1986).

Hinos do Caderno da Casa Rainha da Paz, na cidade italiana de Assis, do gravador de Francesca.

Download formato wma: Casa Rainha da Paz

17/01/2010

O Semeador

Busto do Padrinho Mota na Casa de Feitio do Céu do Matutu - foto: Visionshare

CARTA ABERTA AO PADRINHO SEBASTIÃO MOTA
POR OCASIÃO DO VIGÉSIMO ANIVERSÁRIO DE SEU FALECIMENTO

Rio Branco – Acre, 20 de janeiro de 2010

Querido padrinho:

Já está fazendo vinte anos que o senhor se mudou deixando o nosso convívio, e como vinha passando um chasque que poderia levar uma cartinha até aí eu resolvi escrever essas linhas, vamos ver se vai dar certo. Recordo que, uma das últimas vezes que conversamos, lá no Anajás, o senhor me disse que nunca tinha feito mal a ninguém e eu olhei dentro dos seus olhos assim bem de pertinho, porque eu mesmo estava talvez duvidando, e reparei então o azul da velhice ladeando as suas vistas, e quero dizer que agora entendo seu sofrimento, em conduzir adiante uma cristandade que em dois mil anos de existência tantos tropeços contra as palavras do Cristo veio cometendo, reencarnação após reencarnação, e ainda com a tamanha oportunidade de conhecermos a nós mesmos como a luz do Santo Daime nos dá, se faz de desconhecida e em vez de se restaurar faz é repetir as mesmas vaidades, as mesmas ilusões e os mesmos enganos. Sei, padrinho, que o senhor se sentia cansado, que lhe faltavam forças para erguer sua voz como o senhor queria e a mão já abandonara o rebenque do chiquerador por entregar a Deus que fizesse sua justiça, mas o senhor saiu desse mundo fazendo muita falta especialmente pros mais jovens e pras crianças que iam enfrentar muitas transformações no modo de viver de nossa gente, e com certeza continua nos faltando para colocar os pingos nos is e ensinar o povo que chegou, e continua chegando, a separar o joio do trigo.

Embora o senhor tivesse em sua despedida com o padrinho Wilson Carneiro aceitado o ponto de vista do seu grande amigo e deixado claro que, quanto mais a Doutrina no centro voltasse a ser praticada nos moldes do Mestre Irineu mais estaríamos fazendo gosto ao Mestre, não foi isso o que aconteceu. A própria família de vocês parece ter esquecido como foi instruído o trabalho de Estrela, que a igreja devia ser lugar apenas dos rituais do Mestre e que outros serviços deviam ser realizados em local próprio – o povo aceitou desconsiderar isso e considerar outras novidades de acordo com o topete de cada um, talvez porque tenham passado muitas privações e por isso depois passaram a sofrer de ganância descontrolada, mas faltou juízo e por isso faltou responsabilidade para com o cuidado que cada um antes recebia com tanto carinho e dedicação dos nossos padrinhos e das nossas madrinhas que buscavam ser um exemplo para os mais novos. Como disse o Frei Damião, esse tempo de “muito chapéu para poucas cabeças” chegou, são poucos que pensam no que é bom e sabem viver com alegria, muitos em vez de se sentirem libertos pelos ensinamentos da Doutrina se sentem é acorrentados a aparências e dependências, como se nosso bom Mestre quisesse por acaso ser um senhor de escravos, como se o senhor por acaso tivesse vocação para carrasco. É tanta coisa, padrinho, tanta confusão, o roto falando do esfarrapado e muita pouca gente disposta a se despir das ilusões para receber a armadura da salvação. Pedimos e rogamos mas não sabemos alcançar, até seu nome deixam enlamear com calúnias por faltar coragem e brio para assumir as próprias mazelas e equívocos. Entre tantas cinzas porcerto hão de surgir os diamantes, é certo o que dizia o vô Corrente que o importante é que alguns conseguissem triunfar, e aos que fazem esse esforço eu peço a vocês em nome de Jesus que os fortaleçam e iluminem, protegendo-os de tanta intempérie.

Hoje, meu padrinho, eu queria me dizer sebastianista, que sou um dos que levantam sua bandeira da paz, não que espere o antigo Rei Sebastião ressurgir das areias do deserto mas porque sou um dos que querem ver suas instruções e seus últimos pedidos considerados e obedecidos como se o senhor estivesse mesmo em carne e osso entre nós abrindo sua voz para nos alertar de cada toco de mato a desviar, de cada espinho a evitar, de cada resvalo a ter que saltar nessa trilha cotidiana que nos conduz à vida eterna. Queria, e quero: sou sebastianista, mais um filho de papai Sebastião, mais um neto, mais um sonhador a acreditar na verdade de sua fé e em tudo que ele aprendeu para ensinar. Tenho saudade, meu grande amigo, mas espero um dia chegar onde o senhor está para lhe agradecer por tudo.

De todo coração, -

Eduardo.

14/09/2009

Ensaio de "O Aprendiz"

No dia 13 de novembro de 1987 cheguei na Colônia Cinco Mil, na época dirigida pelos padrinhos Wilson Carneiro e Francisco Corrente. Foi com eles que tomei o meu primeiro Daime, num aniversário na colônia do Sargento Hermínio na Estrada de Porto Acre, onde na época o tio Chiquinho fazia plantios do Projeto Daime Eterno. Foi com eles que recebi meus primeiros hinos, e com eles que fui nomeado celebrante de um casamento embora nem tivesse na época estrela ou fardamento oficial. Com eles apresentei meu hinário em várias oportunidades em ensaios dominicais da Cinco Mil, sendo que em 1989 tive a presença de passar meu caderno a limpo, em uma choupana no Seringal Anajás, aos padrinhos Sebastião e Alfredo.

Este meu caderno, intitulado "O Pascoal", já em 1992 passava de cem hinos, e após muito estudo e depuração veio a ser concluído em 1999, excluindo alguns e acrescentando outros novos. Dedicado a ser cantado na Páscoa, no Domingo da Ressurreição em 1990, na capela da Fazenda São Sebastião, na Boca do Mapiá, recebi a instrução para que a abertura fosse com o hino 143 do Padrinho Sebastião, o que me foi devidamente autorizado pela Madrinha Rita, de modo que nas poucas vezes que tive chance de ensaiá-lo no Mapiá, foi sempre aberto com esse hino: "Eu te dei uma casa que não falta ninguém...".

Em 1994 eu deixei o Cefluris, mas continuei abrindo o hinário com esse hino do Padrinho Sebastião, como em um aniversário em que pude cantá-lo na casa do Senhor Valsírio, filho do Mestre, com a ilustre presença de Dona Cecília Gomes, sua esposa, e de Daniel Serra, Heloísa Gomes e Altina Serra. E são muitas as boas lembranças, desdobradas até a versão final cantada na Páscoa de 2004 em Cusco com o meu amigo Antarki.

Um novo caderno de hinos foi aberto por mim em 2003, e intitulado "O Aprendiz". Coloco-o na categoria de "hinos percebidos" pois alguns deles só sobreviveram por terem sido memorizados através de gravações, o que contraria o preceito que me foi passado desde os primeiros tempos através dos ensinos dos padrinhos Wilson e Nonato: todo hino autêntico tem que ser puxado da memória por seu receptor, dentro da força do Daime, para comprovar sua efetividade. Como me ensinou a Madrinha Percília, lembrando o hino "Mensageiro", de Maria Damião, todos nós vamos um dia se apresentar ao Mestre e os trabalhos a ele mostrar, por isso precisamos estar preparados para essa apresentação e ter em nosso buquê apenas flores verdadeiras, pois as artificiais podem resultar num estorvo e num esforço inglório.

Apresento portanto aos amigos leitores deste blog esses meus hinos (agora em gravação melhorada com o violão de George Washington e os trinares de Francisquinha), com sua abertura sendo o hino "Arco de Flores" da Madrinha Chiquinha do CECLU (Porto Velho) e seu encerramento o hino "Curumim" do "Nova Redenção" da Francisquinha que esperamos em breve publicar.

Para baixar as wma desses hinos, cliquem em:


"O Aprendiz" - completo

Em 1988, na Colônia Santa Maria, Padrinho Wilson com seu secretário Eduardo Bayer

13/05/2008

"Firmado na Luz" de Sonia Palhares (recarregado)


Ascenção de Santa Maria Madalena - José Antolinez (1635-1675)
Sonia Maria Palhares de Alverga nasceu no Rio de Janeiro, no dia 04 de outubro de 1949, dia de São Francisco de Assis. É casada com Alex Polari de Alverga com quem tem três filhos: Thiago, Paula e Davi, além de Joana, sua filha mais velha, fruto da sua primeira união. É avó do João, que tem agora quase dois anos, filho de Thiago e de Ana.
Sonia é Bacharel em Literatura Brasileira pela UFRJ, Licenciada pela Faculdade de Educação da UFRJ e Pós-Graduada em Teoria da Literatura pela PUC-Rio.

Sonia conheceu o Santo Daime em junho de 1982. Sentia-se incompleta na vida, mas não tinha ligação com nenhuma tradição ou prática espiritual. Nesta época foi à Colônia 5000 – nos arredores de Rio Branco - fazer um vídeo sobre o Daime, que já despertava interesse para além das fronteiras da região norte. O Feminino Sagrado, a feminilidade, a mulher, o ventre, a terra, a fertilidade, todos estes mistérios que envolvem o tema se apresentaram a ela na sua primeira experiência com a bebida:

“Quando entrei na igreja senti uma emoção em ver que ali estava tudo que eu vinha buscando, naquela gente simples. Quando a força do Daime chegou, me vi como nunca - eu estava em cima do planeta Terra. Essa era a consciência. Senti a vida na Terra, útero da mulher, da Mãe Divina. Do gerado, do gestado, do feminino".

Em dezembro do mesmo ano, Alex foi ao Rio do Ouro, onde o Padrinho morava nesta época, e recebeu a missão de começar um núcleo em Visconde de Mauá. Começaram então a fazer os trabalhos na garagem da própria casa, lá mesmo em Mauá. Em 1984, a igreja ficou pronta e em dezembro de 1985 a família toda se mudou para uma casa mais próxima à sede e aí começou a comunidade Céu da Montanha. Nesta época moravam lá mais ou menos 70 pessoas. Havia escola, uma cozinha comunitária, um centro de pesquisa em fitoterapia, oficina de tecelagem, e um grupo de mulheres muito unidas.


No final da década, em 1989, Alex visitava o Mapiá quando o Padrinho Sebastião chamou a ele e sua família para irem morar lá. O convite foi aceito, afinal já tinham com ele laços de confiança, afeto e amizade.

“Nós havíamos acabado de construir a nossa casa em Mauá, nem pensávamos nisso, mas respeitamos o chamado e começamos a preparação: ele mandou a gente vir duas vezes com toda a família e na terceira, de vez. Em maio de 1993, finalmente fizemos a mudança. Uma decisão difícil, os filhos adolescentes, entre 9 anos e 20, mas conseguimos boa adaptação. O Padrinho Sebastião morou em nossa casa em Mauá por um mês, isso em 1987. Foi uma experiência maravilhosa. Ele era uma pessoa muito humilde e verdadeira, que conquistava a gente por sua simplicidade e amizade. Foi esse sentimento que nos deu coragem de largar tudo e mudar para o Mapiá”.

Sua ligação com Santa Madalena começou quando leu a “História de uma alma”, um manuscrito de Santa Teresinha que além de ser uma autobiografia, tratava do amor de Santa Madalena ao “Esposo Divino”. Depois desta leitura, num trabalho de estrela em 1986, recebeu o hino “As Forças Redentoras”, consagrando sua ligação ao amor devocional de Madalena ao Cristo. Passado algum tempo, o Padrinho Alfredo ofereceu a data de 22 de julho, dia de Santa Madalena, para que cantasse seu hinário, o que ela considera que:
“foi mais uma forma dele me ajudar, pois eu estava num momento difícil do meu trabalho espiritual e eu sou muito grata a ele por isso”.

22-Forças Redentoras
(Madrinha Cristina)

Viva Deus Onipotente

Via essa Santa Doutrina
Viva Santa Madalena
Junto com a Santa Maria

Nossa Santa Madalena
Era santa pecadora
Junto com a Santa Maria
São as forças redentoras

Pra chegar a esse Poder
É preciso estar puro
Pra dispor do aparelho
Os espíritos de cura

Eu peço aos meus irmãos
Pra nessa casa respeitar
Os espíritos femininos
Que chegam pra se salvar

Pecadoras arrependidas
Podem já se libertar
Que aos pés de Jesus Cristo
Ninguém pode atormentar

Há algum tempo Sonia vem acompanhando Alex em algumas viagens ao exterior e nos dois últimos foram aos Estados Unidos e ao Canadá, onde achou emocionante ver o esforço das pessoas em seguir a Doutrina, com todas as dificuldades, principalmente a da diferença da língua.

Seu caderno de hinário - chamado “Firmado na Luz” – é composto de uma primeira parte com 39 hinos; a partir daí abre-se “A Estrela do Oriente” com mais 17 hinos e há ainda uma parte final, com os hinos oferecidos por ela a partir de 1987, atualmente são 11 hinos. Além da exaltação ao Feminino Sagrado, seus hinos nos trazem o entendimento do poder da conversão ao Amor Divinal que vem senão pelo Cristo e nos lembram da importância da Firmeza e da Fé para seguir nesta batalha aqui na Terra e no Astral.

Sua mensagem para toda a irmandade é:
“Ter um coração simples e seguir a Doutrina sem esmorecer, pois o tempo está forte em todo o mundo e só o amor crístico - que o Daime traz- pode nos ligar com nosso verdadeiro eu”.

O hinário "Firmado na Luz", (título que veio do nome do hino 134 a ela presenteado no "O Cruzeirinho" do Padrinho Alfredo Gregório de Mello), é cantado todo 22 de julho no Céu do Mapiá, dia de Santa Maria Madalena. Para realizar o download deste Hinário gravado em estúdio, com a participação, entre outros, da Joana e da Tininha Cotrim, numa colaboração preciosa de Caio Lemos, clique em:
Recarregado agora com as mp3 dos 2 últimos hinos da parte intitulada “Oferecidos”, respectivamente os números "10-Proteção" e "11-Bem Precioso". Enviados pela irmã Daniella Villalta, colaboradora e co-autora deste nosso post. Agradecimentos carinhosos e especiais a Sonia Palhares!...

27/01/2008

"O Convite", da Madrinha Júlia Gregório


Júlia Gregório da Silva nasceu em Açu, no Rio Grande do Norte, em 29 de dezembro de 1933. É a irmã mais nova da Madrinha Rita Gregório de Melo, e mãe de seis filhos: Maria de Fátima (Dodô), João Batista, João Evangelista (Vanja), Maria José, Antonio José e Rita Maria.

Com a idade de oito anos partiu para o Acre com a família. Viveu durante sete anos no Juruá, Amazonas, de onde seguiu para Rio Branco, no Acre, sendo uma das primeiras moradoras da Colônia 5.000. Iniciou-se na Doutrina do Santo Daime após a passagem de seu marido, Francisco Gregório Bezerra.

Hoje a Madrinha Júlia mora na Vila Céu do Mapiá. Herdou de outra irmã, Tetê, já falecida, o gosto de ser zeladora e responsável pela Oração e pelos trabalhos da Igreja de um modo geral. Batalhadora incansável da pontualidade e da disciplina nos trabalhos espirituais, é sempre a primeira a chegar e abrir os trabalhos nas datas oficiais. É responsável pela padronização e acatamento das normas rituais da Doutrina. Viaja pelo mundo levando a todo Cefluris seu exemplo de humildade e disciplina, sempre trabalhando na Verdade e no Amor da mensagem do Padrinho Sebastião Mota. Seu hinário é um convite permanente à entrega, à confiança e à fé, requisitos indispensáveis à espiritualidade:

"O barco chegou
E eu vou viajar
Feliz é aquele
Que me acompanhar

Minha vida é de Deus
E eu vou me firmar
Segure o balanço
E vamos balançar

Meu Pai me chamou
E eu aqui estou
Segure o balanço
Que somos vencedores

Dou viva ao Sol
Dou viva à Lua
À Estrela do Oriente
Que é o meu Jesus

Ele vem balançando
E vai balançar
Os que estiverem firmes
Estes vão ficar".

A presente gravação foi realizada pelo Padrinho José Ricardo, da Igreja Céu do Dedo de Deus, em Teresópolis - Rio de Janeiro, e inclui os hinos ofertados à dona do hinário. Para obter o download das mp3, clique em:

Colaboração: Jaime Wanner e Patrícia Rodrigues.

02/12/2007

"A Instrução", de Lúcio Mortimer


Lúcio Otávio Mortimer foi um dos primeiros mochileiros e hippies que conheceram o Daime e resolveram morar com o Padrinho no tempo da Colônia Cinco Mil, ainda na década de 70. Chegou à Colônia Cinco Mil, em 1975, pouco antes da ida do Padrinho Sebastião ao Rio do Ouro. Era considerado o Padre da comunidade, porque, tendo sido seminarista, era ele quem celebrava os casamentos e batizava as crianças no Cefluris, em substituição ao antigo secretário (que se tornou evangélico), o senhor Reinaldo Bento. Solteiro permaneceu ele por muito tempo, até o encontro com a Maria Eugênia, fardada do Céu da Montanha, com quem já no final da vida se uniu em matrimônio na igreja Flor de Jagube. Lúcio fez parte do grupo pioneiro do Céu do Mapiá, e durante muitos anos foi o responsável pela venda da borracha e a compra da feira que abastecia a comunidade. Muito ativo e participativo na comunidade mapiense, criou a Rádio Jagube, foi membro do Conselho Doutrinário e presidente da Associação dos Moradores da Vila Céu do Mapiá, em dois mandatos. Lúcio fez sua passagem em 11 de junho de 2002, deixando a todos muitas saudades.

Edward MacRae, no ensaio “Santo Daime e Santa Maria – usos religiosos de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas”, em “O uso ritual das plantas de poder”, conta que, logo quando de sua chegada à Cinco Mil em 1975, “(...) Lúcio Mortimer, um dos jovens usuários de cannabis, foi tomado de uma necessidade irrefreável de confessar o seu segredo, tendo até de sair do salão ‘para respirar’. De acordo com seu próprio relato, no dia seguinte procurou o Padrinho Sebastião e contou-lhe tudo, mostrando-lhe também um caixote onde havia mudas de Cannabis plantadas. Mas este, longe de se zangar, disse-lhe ter tido, algum tempo antes, um sonho no qual um estranho cavaleiro, cavalgando uma montaria branca e usando uma capa preta, anunciara que brevemente ele iria mudar para outra linha espiritual. Quando Padrinho Sebastião perguntou-lhe ‘Que linha?’, a resposta foi que ele descobriria por si mesmo. Padrinho Sebastião continuou a caminhar, chegando a um roçado que era cuidado por um homem moreno vestido de branco, o qual lhe entregou um galho de uma planta, dizendo ‘esta é para curar’. Padrinho Sebastião disse que ao receber a oferta acordou, mas que ao ver a plantinha que Lúcio lhe mostrava, lembrou do sonho e ficara com vontade de cultivá-la para fazer a comparação (...) Como entre os hippies havia três chilenos que costumavam chamar a planta de marihuana, e provavelmente, segundo os costumes dos falantes de espanhol, mais simplesmente de ‘Maria’, esta passou a ser conhecida por Santa Maria” e, com o correr do tempo, a parecer ter papel específico na doutrina daimista, já que o tinha na dissidência, e com destaque, à busca de legitimação do seu uso ritual."

Havendo sido testemunha histórica dos primórdios do Cefluris, Lúcio se tornou um referencial importante para os novos irmãos que começaram a acorrer de outras partes do Brasil para o culto do Santo Daime no Acre, propiciando através de sua formação intelectual clássica uma necessária interface entre o "modus vivendi" acreano e o "modus vivendi" dos "sulistas", onde explicava a uns e aos outros a melhor conduta para esse contato intercultural. Nesse sentido, sempre manifestou apoio à proposta de ritualização da Santa-Maria, mesmo quando o próprio Padrinho Sebastião categorizou isso como utopia social e manifestou abrir mão dessa bandeira devido à falta de obediência de seus seguidores em relação ao procedimento por ele idealizado quanto ao uso da planta. Citando depoimentos de Mortimer em "A construção de fronteiras religiosas através do consumo de um psicoativo: as religiões da ayahuasca e o tema das drogas", Sandra Lúcia Goulart explica o uso idealizado da chamada Santa-Maria enquanto acréscimo à Doutrina do Daime:

"Concebida como uma planta divina, ela foi associada à própria Virgem cristã, passando a ser designada, pelos adeptos deste grupo, como Santa Maria. Portanto, a adoção desta nova substância no conjunto ritual das igrejas do CEFLURIS, trouxe também importantes inovações à cosmologia original da linha daimista. Assim, nesta última o chá do daime é relacionado à energia espiritual de Cristo, enquanto nos grupos do CEFLURIS a associação Daime-Cristo combina-se à associação, quase tão relevante quanto a primeira, Erva de Santa Maria-Virgem Maria. (...) Assim, embora um grupo possa considerar-se mais autêntico, mais ordenado ou mais evoluído porque não utiliza a Cannabis sativa, outro grupo que fez ou defende o uso da Cannabis pode entender que suas crenças e práticas rituais são mais evoluídas exatamente devido a este uso. Enquanto alguns grupos procuram evitar ser associados a um contexto de uso de drogas profanas e ilícitas ao recusarem o consumo da Cannabis sativa, outros tentam eliminar esta associação ao sacralizarem esta planta. No CEFLURIS, a Cannabis sativa passou a ser Santa Maria e o usuário desta substância não era um “maconheiro” e muito menos um “drogado”, mas um “mariano”, em referência à ordem católica da Virgem Maria. De qualquer modo, num caso e no outro, o que percebemos é que o consumo (ou não) da Cannabis sativa transforma-se numa espécie de mecanismo capaz de reelaborar crenças, concepções doutrinárias e práticas rituais. "

Lúcio supervisionou muitas das igrejas e núcleos do Daime surgidos em outras partes do Brasil, no decorrer dos anos 80 e especialmente depois do falecimento do Padrinho Sebastião de quem sempre fora companheiro para toda obra. Tardiamente é que Lúcio Mortimer veio a lançar dois livros sobre a obra de Sebastião Mota de Melo e do Mestre Irineu: "Bença, Padrinho" (São Paulo, Edição: Céu de Maria, 2000), e "Nosso Senhor Aparecido na Floresta", (São Paulo, Edição:Céu de Maria, 2001). Quando da criação do IDA-Cefluris, Lúcio Mortimer ao tornar-se o primeiro presidente da instituição declarou os princípios éticos que herdou do Padrinho Mota:

"Vivendo harmoniosamente se pode usufruir o que a floresta oferece à sobrevivência. Pode-se derrubar uma árvore e preservar todo o ecossistema. Esta deve ser a nossa realidade: saber conviver com a riqueza que Deus nos oferece. Nunca ser uma pessoa nociva, gananciosa, destruidora. "Bem-aventurado os humildes de espírito porque deles é o reino dos céus. Bem aventurados os mansos porque herdarão a Terra". Assim disse Jesus. Confio nesta irmandade e vejo que tem muita gente que merece este título. São os que buscam viver na grande harmonia universal, não perseguindo nem prejudicando a seus semelhantes, não poluindo nem maltratando a natureza."

Segundo Maria Eugênia, Lúcio em seus últimos momentos apresentava uma aura santificada - pedia que ela o olhasse bem, que o tocassse, pois ali diante dela estava alguém que tinha alcançado o triunfo maior, nome do seu hino de despedida:

TRIUNFO MAIOR

Posso cantar alegrias da vida
A certeza de ser um filho estimado
Agradeço a São João, meu mestre querido
Que bom ter ouvido o seu chamado

Sigo contente, Jesus vai comigo
Do meu coração é o melhor amigo
Sou filho da terra, nela pequei
Na Santa doutrina me iluminei

Todo louvor na Soberania
Que a nossa Rainha é quem nos guia
Triunfo maior vai no coração
De quem quer ouvir e seguir a Instrução

O hinário "A Instrução", de Lúcio Mortimer (título que veio do nome do hino a ele presenteado na "Nova Jerusalém" do Padrinho), costumava abrir os trabalhos da Festa de São Miguel, antecedendo o "Caboclo Guerreiro". Para se obter o download deste hinário, numa colaboração de Paula Gasparini, clique em:

PARA ASSISTIR: Vila Mapiá - Série de 12 videos streams contendo cenas e depoimentos de Lúcio Mortimer sobre a Doutrina do Santo Daime e ao Céu do Mapiá. Imagens: Oswaldo Carvalho / Edição: Pedro Marques

28/11/2007

"Lua Branca" (recarregado)

Madrinha Rita na varanda de sua casa na Vila Céu do Mapiá

Em junho de 2005, por ocasião dos festejos dos 80 anos da Madrinha Rita, viúva do Padrinho Sebastião Mota, foi lançada a Revista Virtual "Arca da União" com a devida homenagem realizada por seu conterrâneo potiguar Francisco Nóbrega:

"(...) Madrinha Rita Gregório nasceu em 25 de junho de 1925, filha de Idalino Gregório e Maria Francisca das Chagas, num sítio da Várzea do Açu, no Estado do Rio Grande do Norte. Lá também nasceram os seus irmãos Francisco Gregório, Joana, Manuel, Luísa, Teresa, Júlia e João Batista.

Entre os anos 20 e 40 do séc.XX, esses Antunes Gregório moravam numa propriedade dos Camilos, donos da famosa Fazenda Alemão na Várzea do Açu. Igual a grande maioria dos nordestinos desse tempo, eles não tinham terra própria, nem gado, nem destaque de vaqueiro.
Como padrinhos da primogênita Rita, os pais tomam o casal Julião Camilo e esposa. Já o filho Manuel tomou como padrinho Manuelzinho Montenegro, uma das maiores lideranças.

A Várzea do Açu é hoje muito diferente do tempo em que nasceu e cresceu a família de Rita Gregório, na primeira metade do séc. XX. Naquele tempo não havia a barragem no Rio Açu, uma das maiores do Nordeste brasileiro, inaugurada em 1983, no último governo militar, onde hoje se desenvolve a agroindústria frutífera de exportação, a indústria cerâmica (telha e tijolo), ambas com grande impacto ambiental e menos no desenvolvimento social. Além disso, assim como a Várzea do Açu, o território norte-rio-grandense se tornou uma das maiores bases de extração petrolífera continental da Petrobrás.


Mas o Rio Açu, antes da inauguração da barragem, não era só bonança de fertilidade de solo. Provocava enchentes, destruições, inundando lavouras, afugentando as populações ribeirinhas, rebanhos, soterrando povoados. Em meados dos anos 20, quando nasceu Rita Gregório, a pecuária bovina ainda tinha forte presença naquela várzea. Os ricos fazendeiros e vaqueiros eram os personagens varzeanos mais destacados.
A carnaúba (Copernica cerifera, Mart.) também tinha grande importância econômica nesse tempo. Palmeira nativa do Nordeste, chamada a “árvore da vida”, sua cera tinha largo uso industrial, a palha e talo serviam para fazer a casa, o mobiliário e utensílios da casa do sertanejo. Ainda serve para fazer esteira, bolsa, chapéu, urupema, vassoura e outros utensílios. A sua madeira serve à construção civil, de móveis, currais, cercados, pontes, tubos e bomba d’água. Seu Idalino Gregório arrendava o carnaubal miúdo. Saía cortando, estendendo a palha para secar, tirava o pó, fazia a cera. Os seus filhos e filhas, inclusive a Rita, também ajudavam nesse serviço de coleta. Atualmente, sem mais prestígio econômico, a carnaubeira está sendo ameaçada de desmatamento total na Várzea do Açu, para dar lugar as novas frentes agrícolas, principalmente a fruticultura de exportação.

Se bem chovia, plantavam-se roçados de feijão, milho, jerimum, melancia, a safra dividida, de “meia”, com o patrão, os Camilos. Seu Idalino colhia os seus roçados e ainda trabalhava “alugado” apanhando a safra nos roçado dos vizinhos. Safras de castanha de caju, de algodão, no corte da palha de carnaúba e até na salina na salina, onde o seu filho Manuel trabalhou de cuca (cozinheiro) na salina. Eles também pescavam nas camboas e no mar, e caçavam com cachorro pelos tabuleiros caatinga adentro a pegarem preá, punaré, tejo, peba, marical.


Nos primeiros anos da década de 40, os últimos anos que a família de seu Idalino e Maria Francisca das Chagas viveu na Várzea do Açu, foram anos de secas brabas, o que mais motivou a migração nordestina para o “Amazona”.
Na década de 30 aconteceram alguns fatos políticos marcantes no Rio Grande do Norte e no Brasil, dos quais certamente o povo de seu Idalino Antunes Gregório e dona Maria Francisca das Chagas, os pais da mocinha Rita Gregório, ouviram falar muito: o assassinato do presidente (governador) paraibano João Pessoa, a ascensão de Getúlio Vargas, o movimento comunista da tomada de Natal, a morte de Lampião e a 2ª Grande Guerra Mundial. Com a guerra houve a perda dos seringais da Malásia, que supriam de borracha os aliados, e a única fonte de abastecimento situava-se na Amazônia. Tais fatos iriam mudar a vida desses Gregórios para sempre, e a de dezenas de milhares de nordestinos, que iriam para a Amazônia, convocados para a “batalha da borracha”.

Pelos sertões afora só se ouvia falar de quanto se enricava na borracha.
De abril a agosto de 1943, mais de 4 mil nordestinos entraram em Manaus. Muitos não iam para o interior, desencantados no fracasso da “batalha da borracha”, ficavam ali mesmo iniciando o processo de favelização da capital amazonense, e popularizando o imigrante nordestino chamado “arigó”, que a crônica policial mais ajudou a espalhar a sua má fama. Em 1944 apareceu um agenciador de imigrantes na Várzea do Açu, onde morava a jovem Rita Gregório, seus pais e irmãos. O homem ganhava por cabeça convocando o povo para ir para a borracha. Conta-se que a jovem Rita, então com dezenove anos de idade, era uma alegria só com a decisão familiar de ir para a Amazônia: “Vamos s’embora minha gente, lá é que é a terra para se ganhar dinheiro”. Partiram do sítio Saco, num caminhão tipo pau-de-arara, às onze horas do dia 28 de abril de 1944. É natural que tenha havido lágrima de despedida, mas é certo que houve maior euforia dessa família de seu Idalino Gregório amontoada em bancos atravessados à carroceria do caminhão, coberto de lona, chamado pau-de-arara.

A viagem marítima de Fortaleza a Manaus, previa-se durar quatro dias. O navio a vapor singrou as águas atlânticas em procura de Manaus, apinhado de imigrantes “soldados da borracha”, muitos deles levando suas famílias. O navio ia sendo comboiado por outros militares, pois havia o perigo de torpedeamento nazista.
Depois de Belém, o navio seguiu viagem no grande Amazonas. Quando desembarcaram em Manaus, fazia três dias que tinha saído um navio “gaiola” para Rio Branco, no Acre, para onde seu Idalino pensara ir. Um irmão menor de Rita, chamado João Batista, enfermo, fraco, debilitado da viagem de semanas, não resiste, morrendo ali mesmo em Manaus. A mãe Maria Francisca das Chagas, aflita, depois que sepultou o filho disse que não ficaria mais um dia sequer na cidade. Foi então que chegou um seringalista do Alto Juruá, atrás de cinco famílias para levar para lá. Os filhos de seu Idalino combinaram com o velho, e transferiram o projeto de viagem, que era de ir para Rio Branco, para o Rio Juruá.

Saíram de Manaus em julho e chegaram em agosto de 1944 no destino final da viagem: Eirunepé. O jovem Sebastião Mota de Melo morava num seringal vizinho ao local onde a família de seu Idalino se instalou. Quando o rapaz viu aquela imigrante nordestina de rosto redondo e alegre, não teve dúvida. Era ela a moça para se casar que ele tinha visto em sonho. Sebastião e Rita casaram-se no final dos anos 40.

No período de sete anos que essa família viveu no Juruá, nasceram os primeiros filhos do casal: Waldete, o primogênito, e Walfredo (hoje o Padrinho Alfredo, sucessor de seu pai no comando do CEFLURIS). Em 1951, o velho Idalino mudou-se para Rio Branco, Acre, com a esposa e filhos, entre os quais Rita e seu esposo Sebastião com os filhos (além dos dois mais velhos, tiveram também Maria das Neves, Iracema, Pedro, Ivanildo, Isabel, José, Raimunda Nonata e Marlene). Estabelecendo-se na Colônia Santa Maria, parte da chamada “Colônia Cinco Mil”, próxima a Estrada de Porto Acre, viviam todos como vizinhos, dedicados à lavoura e à pecuária, mas também trabalhando espiritualmente.


Em meados dos anos 60, Sebastião Mota de Mello conheceu o Santo Daime sendo curado pelo Mestre Raimundo Irineu Serra. Começou então a sua iniciação e de sua família na Doutrina do Santo Daime, e Sebastião Mota tornou-se “feitor” (preparador da bebida), dando seqüência a seus trabalhos de cura: em 1974, fundou-se o CEFLURIS sob a liderança natural do Padrinho Sebastião, e desse modo os Gregório de Mello vieram a constituir o verdadeiro clã daimista que temos hoje. (...)"


O hinário da Madrinha Rita foi intitulado "Lua Branca" por conta de um dos seus mais belos hinos, e esse bonito título fez jus à simbiose efetivada entre a mulher Madrinha, sua figura de Grande Mãe e Matriarca, representante da Rainha da Floresta à frente da Divisão Cefluris, e a Lua Branca que sinalizou a presença divina da professora do Mestre Irineu no advento da Doutrina. Conta-se que a Madrinha, quando era mais conhecida como "Dona Rita", nos tempos da Cinco Mil, sempre foi tão humilde e tinha uma presença tão discreta ao lado do Padrinho Sebastião que poucos se davam conta de seu valor espiritual. Foi a partir da criação dos núcleos daimistas no sudeste brasileiro que sua pessoa começou a ser mais reverenciada, e quando o "Céu da Montanha", em Visconde de Mauá, Rio de Janeiro, a nomeou como patrona, já era conhecida por todos como a doce "Madrinha Rita". Após o falecimento de seu amado esposo, ela assumiu a responsabilidade de representar o pensamento do Padrinho, passou a ter um cargo honorário na presidência do Cefluris, e certamente apenas com sua generosa presença ajudou a fortalecer o seguimento do Centro sob o comando de seus filhos os padrinhos Alfredo e Waldete, reinvidicando sempre uma maior união da irmandade.

Seu caderno de hinário resume-se a 25 hinos por ela recebidos, todos de muita força, o último dos quais nos primeiros tempos do Mapiá. Além destes, vários hinos a ela dedicados por seus admiradores compõem um adendo que nos proporciona uma bela visão da trajetória desse Povo de Juramidam liderado por Sebastião Mota Brasil afora. Ela não tem mais querido incluir novos presentes neste caderno para não criar um trabalho a mais para as cantoras do Centro, e como no Dia das Mães seu hinário é cantado oficialmente no Cefluris seguido dos hinários de sua irmã Júlia e de sua cunhada Cristina, estes "presentes da Madrinha" se encontram pouco conhecidos ou "cultivados".

Tivemos problemas com alguns de nossos links, devido ao host gratuito bloquear arquivos muito requisitados, e contamos com a paciência de nossos leitores para que esses links obsoletos venham a ser repostos. Republicamos este post para veicular agora a gravação do "Lua Branca" realizada na Rádio Jagube a 20 de agosto de 2006, com o Padrinho Alfredo e equipe (Rutilene, Gecila, Maria Alice, Roberval, Francisco e Irineu): uma gentileza de Paula Gasparini. Anexamos os hinos presenteados, numerando-os na seqüência do "Lua Branca" pois eventualmente podem ser cantados assim conjuntamente, mas ainda nos faltam no momento letras e cifras destes, e nestes arquivos indicamos apenas cada respectiva autoria. A gravação dos presentes foi realizada no salão da Igreja-Matriz do Céu do Mapiá, havendo nos sido enviada pelo amigo Jaime Wanner.

Lua Branca - Madrinha Rita (hinos do 01 ao 13)
Lua Branca - Madrinha Rita (hinos do 14 ao 25)
Presentes da Madrinha Rita (hinos do 26 ao 50)
Presentes da Madrinha Rita (hinos do 51 ao 68)