25/07/2007

"Nova Jerusalém"

Xilogravura de Julius Schnoor von Carolsfeld, originalmente parte de Das Buch der Bücher in Bilden.

"Estas coisas me foram concedidas ver e por elas perceber, claramente, o que vem do Senhor e o que vem dos anjos. O que vem do Senhor, eu escrevi, e o que vem dos anjos, não escrevi. Ademais, foi-me concedido falar com os anjos como um homem fala com outro homem, e ver as coisas que estão nos céus e nos infernos, e isto pelo fato de que a Igreja atual chegou ao seu fim, e está às portas o começo de uma nova, que será a Nova Jerusalém. E para esta deve ser revelado que o Senhor governa o universo, o céu e o mundo, que há um céu e um inferno, e como eles são; e que os homens vivem como homens após a morte, os que foram conduzidos pelo Senhor, no céu, mas o que se conduziram a si mesmos, no inferno; a Palavra é a Divina verdade mesma do Senhor na terra; e também que o Juízo Final está cumprido, a fim de que o homem não fique em eterna expectativa neste mundo; além de muitas outras coisas que pertencem à luz que agora surge após as trevas". (Emmanuel Swedenborg)

No MJBI - Messianic Jewish Bible Institute , encontramos as seguintes considerações:

"Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a CIDADE SANTA, a NOVA JERUSALÉM, que DESCIA DO CÉU, da parte de D'us, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então ouvi grande voz vinda do trono dizendo: Eis o TABERNÁCULO DE D'US com os homens. D'us HABITARÁ com eles. Eles serão povos de D'us, e D'us mesmo estará com eles..." (Apocalipse 21.1-3) Veja, como aquele Tabernáculo nos CÉUS, começa sua descida, observe como as orações dos santos se cumprem, observe como que na verdade ao invés de irmos aos céus, é ele que está vindo até nós. Ela vem ataviada, D'us finalmente 'HABITARÁ CONOSCO' e Ele não perguntará mais: "Onde estás?". Então ele transformará o nome da Cidade Santa, pois "... o nome da cidade desde aquele dia será: ADONAI SHAMÁ (O ETERNO ESTÁ ALI)" (Ezequiel 48.35), por isso:"Todos os que restarem de todas as nações que vieram contra Jerusalém subirão de ano em ano para adorar o Rei, O Eterno dos Exércitos, e para celebrar a Festa dos Tabernáculos" (Zacarias 14.16). As nações abrasadas pela habitação de D'us, embriagadas pela sua presença virão ao Monte do Senhor, "as nações andarão mediante a sua luz, e os reis da terra lhe trazem a sua glória... E lhe trarão a glória e a honra das nações..." (Ap 21.24 e 26). Então a ordem do Éden é restaurada, a criação que gemia e suportava angústias por causa do pecado (Rm 8.18 e seg) agora é nova e transformada, pois "No meio de sua praça, de uma e outra margem do rio, está A ÁRVORE DA VIDA..." (Ap 22.2). Nesta Nova Jerusalém "Nela jamais penetrará coisa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira, mas somente os inscritos no Livro da Vida do Cordeiro" (Ap 21.27). Veja como este princípio também existe no judaísmo: "... A Jerusalém do mundo vindouro não será como a Jerusalém atual. A Jerusalém atual pode subir quem quiser; à Jerusalém do mundo vindouro somente poderão subir os convocados" (Talmud - Bava Batrá 75b).

Segundo o Vaticano, o Apocalipse de João, mesmo estando cheio de referências contínuas a sofrimentos, tribulações e pranto na face obscura da história está de igual modo repleto de frequentes cantos de louvor, que representam quase a face luminosa da história. Assim, por exemplo, lê-se nele que uma grande multidão, que canta quase gritando: "Aleluia! O Senhor nosso Deus, o Todo-Poderoso, começou o seu reinado! Alegremo-nos, rejubilemos, dêmos-lhe glória, porque chegou o momento das núpcias do Cordeiro, a sua esposa já está pronta" (Ap 19, 6-7). Estamos diante do típico paradoxo cristão, segundo o qual o sofrimento nunca precipita como última palavra, mas é visto como ponto de passagem para a felicidade. Aliás, ele mesmo já está misteriosamente cheio da alegria que brota da esperança. Precisamente por isto João, o Vidente de Patmos, pode encerrar o seu livro com uma última aspiração, palpitante de expectativa trepidante. Ela invoca a vinda do Senhor: "Vinde, Senhor Jesus!" (Ap 22, 20). É uma das orações centrais da cristandade nascente, traduzida também por São Paulo na forma aramaica: "Marana tha". E esta oração "Vinde, Senhor Jesus!" (1 Cor 16, 22) tem diversas dimensões. Naturalmente é antes de tudo expectativa da vitória definitiva do Senhor, da nova Jerusalém, do Senhor que vem e transforma o mundo. Mas, ao mesmo tempo, é também oração eucarística: "Vinde Jesus, agora!". E Jesus vem, antecipa esta sua chegada definitiva. Assim com alegria dizemos ao mesmo tempo: "Vinde agora e de modo definitivo!". Esta oração tem também um terceiro significado: "Já viestes, Senhor! Temos a certeza da vossa presença entre nós. É uma experiência jubilosa. Mas vinde de modo definitivo!". E assim, com São Paulo, com o Vidente de Patmos, com a cristandade nascente, também nós rezamos: "Vinde, Jesus! Vinde e transformai o mundo! Vinde já hoje e vença a paz!".

"Nova Jerusalém" é o título dado pelo Padrinho Sebastião ao caderno de hinários que, após mais de quatro anos sem receber hinos, estando concluído o caderno de "O Justiceiro", foi aberto no Céu do Mapiá em 1983. O primeiro hino, "O Convite", foi recebido após um trabalho, conjuntamente com sua cunhada a Madrinha Júlia. Foi então que foi criada a figura do "hino presenteado", ou "ofertado", antes inexistente pois segundo o Mestre Irineu cada qual devia ser responsável "total" pelas flores recebidas em forma de cânticos em sua trajetória na Doutrina. O primeiro hino foi ofertado à Madrinha Júlia, e a partir daí os hinos seguintes foram todos dedicados a pessoas da irmandade mapiense, concluindo-se com o hino 26, que o Padrinho dedicaria a seu futuro genro, o Padrinho Paulo Roberto, da Igreja Céu do Mar. Justifica-se essa "doação" ou "dotação" de hinos pelo fato do Padrinho ter o seu hinário completo, ou seja, fechado, e querer prosseguir com seus ensinos presenteando os seguidores mais próximos, motivo pelo qual o novo caderno de hinos foi criado. Na verdade, após muitas tribulações para encontrar um lugar de selva onde se estabelecer em definitivo com sua irmandade, o Padrinho Sebastião considerava a vida no "Céu do Mapiá" um novo tempo, e é em torno dessa "nova igreja" que os seus derradeiros hinos estariam dedicados.

Segundo nos relata Walter Dias Junior, no início de 1980, "padrinho" Sebastião anuncia o começo de uma nova fase de peregrinações, em busca de um local para a construção de outra sede para seu grupo: a “Nova Jerusalém na terra”. Ele parte em busca de um local na floresta, capaz de oferecer melhores condições de sobrevivência material para seu grupo, pregando um retorno às origens. Claro que esta sua decisão está de acordo com as instruções "recebidas" do astral, durante a miração. A seguir, ele relata os motivos que o levaram à nova mudança: "... Daqui vou me mudando, porque já me acho cansado de tanta luta aqui e os pastos já estão tão mal divididos que, se planta uma coisa, não dá mais, não tem aquele rendimento. Os próprios campos já estão acabados com carrapicho, coisa dura. Não se tem dinheiro para se botar um trator e virar a terra e as condições de vida cada vez mais difíceis; o preço das coisas cada vez mais alto. Não dá prá mim não. Vou tratar da seringa, ela já está na mata. Está trancada, mas se tratar de zelar dela, vai dando o que comer. Aqui não dá mais..."

No auge desse período, a Cinco Mil chegou a abrigar cerca de 300 a 400 pessoas, ultrapassando seus limites e suas possibilidades de produção. Como as demandas do grupo continuavam avolumando-se e os recursos locais já não bastavam, a alternativa possível era a migração para o centro da mata. Esse movimento teve início em 1980 e, com orientação do próprio Instituto de Colonização e Reforma Agrária -INCRA- a comunidade instalou-se no seringal Rio do Ouro, no município de Boca do Acre, Amazonas, situado às margens do Igarapé Rio do Ouro, na altura do quilômetro 53 da rodovia Br-317. Esta que, segundo o INCRA, seria uma gleba de terras devolutas, passou a ser beneficiada pela instalação da comunidade do padrinho, com a implantação de roçados, a abertura de estradas de seringa para a extração de borracha e várias outras benfeitorias. Sobre esse processo, novamente é Vera Fróes quem nos conta: "...em maio de 1980 iniciou-se o movimento em direção ao seringal Rio do Ouro e no espaço de pouco mais de um ano cerca de 200 pessoas já estavam morando no local, ocupando uma área com cerca de treze mil hectares, explorando vinte colocações de seringa e produzindo 15 toneladas de borracha/ano, residindo em 36 casas, possuindo grandes roçados, criação de patos e galinhas. Para surpresa de todos, o "padrinho" anunciou em 1981 que aquele ainda não era o local determinado pelo astral e onde se ergueria a Nova Jerusalém. Concomitantemente, surgiram pressões de pessoas interessadas nas terras desbravadas pela comunidade. Pessoas que possuíam um título de propriedade com inúmeras irregularidades, ainda do início do século e que dava a área como propriedade de um fazendeiro sulista. Apesar de ter sido a própria representação do INCRA na região quem deu autorização para a comunidade instalar-se no seringal Rio do Ouro...” (1986, p. 120).

(...) Retomando a saga do grupo vinculado ao "padrinho" Sebastião, depois de dois anos de trabalhos no seringal Rio do Ouro, ele abandona o local, devido à demanda fundiária. Então, em 1982, a comunidade foi obrigada a se retirar, sem receber qualquer indenização pelo seu trabalho. Novamente, o grupo dá início a outro êxodo que, dois anos mais tarde, culminará com a ocupação de uma gleba de terras às margens do igarapé Mapiá. (...) Foi o próprio INCRA quem informou à comunidade a existência de outra área arrecadada pela União, sem proprietários, para onde poderiam se transferir. Essa nova gleba de terras passou a ser ocupada a partir de 1982, e localizava-se no Igarapé Mapiá, afluente do Rio Purus, no município de Pauini, Amazonas, ficando distante cerca de 150 quilômetros do seringal Rio do Ouro.

Em 1989, o seringal Céu do Mapiá já reunia em torno de 300 pessoas com residência fixa e mais um outro tanto de população flutuante. A comunidade do padrinho vivia da agricultura e da extração de látex e de castanha, embora essa região não seja muito propícia para ambas atividades. Isso porque, durante décadas, o Mapiá já havia sido explorado como seringal e o manejo predatório destruiu a possibilidade de continuação da extração de látex de boa parte das seringueiras. Essas árvores foram inutilizadas de maneira definitiva devido à utilização de técnicas inadequadas de corte do tronco para a extração do látex. Até hoje, essa região apresenta escassez de peixes, animais e madeiras boas em relação a outras áreas próximas à cabeceira dos igarapés da região, provavelmente também em função da forma de exploração predatória ocorrida desde o início do século vinte.

Talvez em função dessa realidade, durante o período inicial de assentamento já existam planos elaborados pela comunidade, prevendo a necessidade de um novo deslocamento de parte dos moradores da Vila Mapiá para a cabeceira do Igarapé Inauiní, com a finalidade de instalar uma reserva extrativista de látex e castanha: o Trono do Sol. Por enquanto, deve-se ressaltar apenas o fato de que essa proposta revela a necessidade de uma nova retirada do grupo (após a morte do padrinho Sebastião, ocorrida em 20 de janeiro de 1990), agora sob a liderança de Alfredo Gregório de Melo, filho do padrinho. (...) Hoje, o Céu do Mapiá coloca-se como polo assistencial para boa parte dos ribeirinhos da região média do Rio Purus, próximo ao igarapé do Mapiá. São mais de duzentas famílias que, sistematicamente, buscam o apoio da comunidade daimista para auxiliar em sua sobrevivência. A comunidade do Céu do Mapiá possui algumas características peculiares, que a diferenciam, em certos aspectos, dos demais grupos que professam a doutrina do Mestre Irineu. Ela foi a única a retomar a proposta original de comunidade rural praticada pelo Mestre e abandonada no Alto Santo, após seu falecimento. Foi também a única que empreendeu o movimento de expansão do culto em direção a outras regiões do país e do exterior, criando uma igreja sede com estrutura nacional e várias outras a ela filiadas.

Todos esses fatos ocorreram simultaneamente a intenso processo de mudanças sociais, econômicas e culturais por que passou todo o Estado do Acre desde a década de 1970. Nesse período, por exemplo, Rio Branco viveu um processo de expansão que, em dez anos, fez com que a população da cidade fosse duplicada. No bojo desse movimento, a comunidade do "padrinho" Sebastião absorveu com grande intensidade o fluxo de jovens de classe média e de origem urbana de outras regiões e países, que migraram para lá, provavelmente em busca de uma relação mais ecológica e mística com a natureza.

O perfil do "daimista" (como é chamado o adepto da doutrina) da comunidade fundada pelo padrinho Sebastião modificou-se gradativamente a partir de então, deixando de ser constituído exclusivamente por seringueiros e caboclos. Gradativamente, passa a assumir uma nova face, mais cosmopolita, ao integrar esses novos personagens, com suas crenças e hábitos urbano-industriais. Entretanto, a comunidade procura manter-se fiel às origens doutrinárias, buscando assimilar as novas influências e adequá-las às tradições xamânicas. Essas tradições assentam-se em algumas crenças anímicas que conferem aos objetos, substâncias e símbolos, determinados atributos essencialmente sagrados. Sobre a doutrina do Santo Daime e suas crenças, "padrinho" Sebastião é esclarecedor: "...A doutrina não existe, mas se fala. Ninguém doutrina ninguém. Cada um é seu próprio doutrinador. A mãe em sua bondade nos acolhe a todos. Nós usamos as plantas santas sim. Qual é o pecado? Qual é o crime de usar aquilo que brota na terra que é nossa mãe? Tem uma ligação divina nessas plantas que une o reino da Terra com o reino do Céu. A gente seria muito bobo se não usasse elas para descobrir o lado espiritual das coisas. Deus nos manda a sua verdade através da sua obra. Só agora é que vão chegar as pessoas que foram convocadas para dar o testemunho de que essas ervas nos levam aos espíritos. A gente tem que se preparar para ser um povo santo... Temos que nos ajuntar e mostrar o que estamos aprendendo com amor, boas palavras, mansidão. Até encontrar com o Eu Superior. Nisso aqui é que está nossa doutrina... A doutrina somos todos nós, é apresentar uma coisa divina, nós não devemos ter medo, somos um grupo que procuramos o espiritual..." (Alverga,1984, pp. 308-309).

Justamente por estar impregnada pelo sagrado é que se torna possível a inversão dos sinais, que em nossa cultura adquirem sempre significados negativos e, nessa concepção, são colocadas como experiências positivas de encontro, de união com os poderes divinos do universo. Aí, essas "plantas de poder" estão colocadas a serviço da comunidade, não possuindo o caráter anti-social estigmatizado por nossa própria cultura. Elas representam, virtualmente, um elo entre o universo profano e o sagrado. É através delas que esses homens penetram no mundo dos espíritos, no conhecimento esotérico. É importante ressaltar, ainda, que a atual retomada do projeto de organização do Mapiá em comunidade, bem como seu processo de expansão em direção aos grandes centros urbanos e ao exterior, simultaneamente ao processo de abertura interna para a adoção de novas práticas rituais e valores religiosos, são características específicas do CEFLURIS. Entretanto, somente esse fator não parece explicar satisfatoriamente o fenômeno, o que nos leva a buscar nos elementos de positividade, internos ao próprio grupo, as pistas necessárias à compreensão desse processo. (...)"

Marcelo Bolshaw Gomes acrescentará:

Os hinos do Santo Daime também versam sobre uma transformação nas condições de vida da humanidade - “o fim dos tempos”, “o Apocalipse”, “o balanço” - e sobre o advento da utopia social, a “Nova Jerusalém”, “o Reino de Deus na Terra”. Em relação a este ideal de utopia social, os participantes dos rituais afirmam que “a vida comunitária é um aspecto fundamental na doutrina do Santo Daime. Através dela aprendemos e construímos na prática o significado da União, que cantamos nos hinários”. Para eles, “quando tomamos Daime e cantamos hinos estamos apenas acelerando e intensificando conflitos e relações interpessoais que se desenvolvem no nosso cotidiano comunitário”. O objetivo a longo prazo, ao que prece, é conquistar no dia-a-dia uma união material tão sólida quanto a união mística alcançada nas cerimônias. “Assim”, concluem, “realizamos o ideal da Nova Jerusalém”. Desta forma, a União, metáfora da comunidade e símbolo da utopia social, é uma das entidades centrais dos rituais e da filosofia da doutrina do Santo Daime.

O Padrinho Sebastião, além do caderno de hinos por ele ofertados, também possuía um caderno de hinos a ele dedicados. Seu filho, o Padrinho Alfredo, além de passar a "dedicar" hinos de seu próprio caderno desde então (desde o hino 25, "Marcha da Bandeira", dedicado à Madrinha Graça, nora do Padrinho Wilson), também abriu um caderno de hinos dedicados a si, costume que se estendeu e é motivo de hoje contarmos com cadernos de hinário que são conhecidos como sendo do Padrinho Wilson Carneiro ou do Padrinho Manoel Corrente, quando estes na verdade nunca receberam hinos, apenas se tornaram guardiões de hinos a eles dedicados por membros da irmandade do Centro.

Para baixar o "Nova Jerusalém" em mp3, em gravação do Céu do Mapiá, com o caderno das cifras musicais, clique em:

18/07/2007

O Beija-Flor do Padrinho

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Aquele discípulo que pela primeira vez chamou pelo Padrinho nas letras de seu hinário se tornou o primeiro Padrinho de uma série frutífera de alunos do Mestre, foi o que o Sebastião Mota se tornou, um São João Batista verdadeiro porque abriu uma pia batismal das ciências da floresta que o sacramento do Daime Santo proporciona a todos que o procuram, e assim se eternizou tal qual Irineu Serra antes dele ao criar sua Sede (sé que Sebastião multiplicou em forma de igreja, embora muito se acusem centros abrigados sob sua padroagem de exercer um exacerbado hibridismo, afastando-se do estudo das raízes verdadeiras da bebida por conta de serem entendidas como raízes de um grupo inicial apenas, e não de uma trajetória universal como “O Cruzeiro” relata).

A grande condescendência e generosidade de Sebastião Mota ao tornar-se Padrinho de seu próprio grupo fizeram com que seus ideais comunitários, expostos tanto na vivência do Rio do Ouro quanto na abertura da Vila Céu do Mapiá como prática de sobrevivência e busca de autosubsistência na floresta, “caducassem” para muitos, com o cacoete bem amazônico de quem já passou pela penúria e achou inteligente capitalizar recursos para acompanhar uma modernidade que, sabemos, é apenas uma falácia dos antigos cientistas sociais. A idéia de uma “nova geração”, de uma “nova jerusalém”, de uma “nova era”, para o Padrinho Sebastião, não era essa imagem pop contracultural de hoje, e sim uma “nova matéria”, uma “nova existência”, uma “nova viagem”. Quem quisesse que se aprontasse. “Ajuntar o rebanho” para esse pastor amazônico era colher os diamantes entre as cinzas: quem fosse bom que resistisse, que assim se melhorava. Muitos preferiram enfrentar os rigores com estoicismo, cético ou não; outros se adaptaram por si, já que o que o Mestre deixou como mensagem “os hinos estão ensinando”, e lá mais adiante é que vai se ver quem deu o melhor de si e quem não se esforçou pra isso.

A morte do corpo
É a ponta da língua
(É apontada a língua, É a pontada a língua)

O Padrinho Sebastião se esforçou muito, e por isso se tornou ele próprio uma Espada. Não foi o primeiro discípulo do Mestre a ultrapassar a barreira dos 132 hinos considerada imagem e semelhança do Cruzeiro segundo a interpretação de Raimundo Gomes (Tetéo, Raimundo Facundes, Luiz Mendes a um princípio, todos respeitaram a tese de que essa era a projeção ideal para uma sessão de hinário), pois antes dele houve “O Rosário” da Madrinha Chiquinha, esposa do Senhor Virgílio, dirigente do CECLU – “Centro Eclético de Correntes da Luz Universal” (fundado pelo Mestre em Porto Velho), a quem o Padrinho muito admirava, que também encerrou-se com 156 hinos por ser este o número de Ave-Marias de um rosário segundo ela.

Seu caderno de hinário entretanto não possuía nome, como tantos outros jamais haviam sido formalmente intitulados. A formalização do título “O Justiceiro” se deu a partir de uma edição da Editora da igreja do Céu do Mar, no Rio de Janeiro (Centro Eclético da Fluente Luz Universal Sebastião Mota de Melo). Eu pessoalmente preferiria chamá-lo “O Beija-Flor”, pois representa muito mais a imagem que temos do Padrinho Sebastião, acredito todos os que provaram de sua tutela benevolente. O Padrinho era um homem sempre surpreendente, muito atento a tudo e a todos, e tinha a capacidade de sempre se relacionar diretamente com as pessoas que conhecia ou que eram filiados a sua igreja, fossem verdadeiros seguidores ou não, ele sempre era um homem extremamente inteligente, extremamente sincero, extremamente respeitoso aos seus princípios, extremamente dedicado a cada um, reconhecendo a cada um, tratando com cada um. Tanto que aqueles que o cercavam até que buscavam protegê-lo demais de tão aberto coração que a todos acolhia como fosse ele próprio uma igreja.

“O Justiceiro” é o hino em que o Padrinho Sebastião encarna o que dissera muitos anos antes em um hino que a princípio o Mestre não simpatizara, segundo depoimento de Daniel Serra: “Os hinos são uma corrente / Tu bem viste em mim / Que saem da minha boca / E transmitem em ti”. Ali o Mestre Irineu, que foi o primeiro a batizar com o Santo Daime, como todos sabem, exercendo por isso uma função sacramental de Padrinho, fala através de Sebastião Mota: “O Mestre por derradeiro / Tudo ele consagrou”. Como dois cipós irmanados, os primos Jesus e São João, solstícios.

O beija-flor mensageiro de Sebastião Mota que lhe trazia todos esses hinos que ele proferia como a Voz no Deserto, se espelhava no Mestre tal qual este se espelhava em Jesus. Por isso mesmo entre os contumazes opositores dos que ficaram para trás no Alto Santo ou onde fosse, o Tetéo ainda pode ser chamado de pouco humilde, isso é claro, mas Sebastião Mota jamais foi acusado de falta de humildade. Era irmão de todo mundo e se se tornou Padrinho é porque foi aclamado por muitos dos mais próximos do Padrinho Irineu como sendo porta-voz de sua igreja. Este o Padrinho Sebastião, “duendizado” ou “diabolizado” por muitos que não o conheceram em pessoa e o identificam com um Antônio Conselheiro da vida, ou até Papai Noel... O Padrinho em si realmente transcendeu hoje ser mais que um Padrinho, avatarizou-se a ponto de ser o Papai Sebastião: através do Jagube passou a ser visto como um “Pai de Todos”, “Paizão”, personificação do Pai tal qual a Madrinha se tornou a da Mãe. É a simbiose da imagem pura daquilo que os hunikuins chamam “damí”, e que é a miração com os padrões geométricos moventes e conceitos tais quais Pai, Mãe, Vida. Harmonia, Amor, Verdade e Justiça que em seu hinário - promovido a farda branca pela Madrinha Percília em pessoa - quis continuar - tanto que declararam como data de fundação do primeiro Cefluris (outro foi fundado mais tarde ao instituírem o Céu do Mapiá) o 7 de outubro de 1969, quando o Mestre era vivo e autorizou que cantassem “O Cruzeiro” na sua residência lá na Colônia Santa Maria, gleba de terra por ele adquirida na Colônia Cinco Mil, na vizinhança de seu cunhado Nel Gregório, em Rio Branco. Uma continuação da obra de Raimundo Irineu Serra aqui na Terra.

Eu tenho Harmonia
O Amor e a Verdade
Eu tenho a Justiça
Da Santíssima Trindade

Dos seus filhos e de seus companheiros como João Baé, Manoel Paulo, Eduardo, Paulinho, Zé Brabo, Doca, Gildo, Reinaldo, Manoel Moraes, Luiz Lopes, Luís Campelo, Chaga, Pedro Zacarias, Manoel Corrente e filhos, dentre tantos, fez a companheirada constante dos trabalhos da floresta, buscando nela a volta à Mãe mítica tanto quanto o encontro das raízes da cultura amazônica. Das mulheres, a partir da Dona Rita sua esposa, grande Madrinha de coração imenso, suas irmãs, cunhadas, filhas, noras, o trabalho de cura e da folha e da água envolvia exercer esse resgate de uma atemporalidade terapêutica onde se limpam as profundezas a partir de conceitos elementais: Pai, Mãe, Família, Vida. Essa vocação terapêutica da Doutrina casou de coração com o ensejado por todos os hinários: a vida em comum no seio da floresta. “O Justiceiro” cura e batiza. Por que ele é uma Espada? Porque alguns escurecem o pensamento, talvez, e seja necessário considerar o Todo e saber dividir tanto quanto somar. Em paz descanse meu Padrinho que tanto fez para semear o Bem no coração de quem ama e sabe amar, como ele diria depois de encerrado seu caderno de hinário, quando instalado no Céu do Mapiá proferiu novas palavras de amor e ciência que presenteou com o nome de "A Nova Jerusalém", e que publicaremos a seguir. Mas isso já é outro caderno...

A presente gravação foi realizada no Céu do Mar, no Rio de Janeiro, em data não-determinada, e nos foi enviada da Holanda como colaboração de Inge van Werven e Jaime Wanner. Quando celebrado em igrejas, o hinário é cantado do 1 até o 100 na primeira parte do serviço (primeira coluna), e do 100 até o 156 na segunda parte (segunda coluna). Algumas vezes se canta o “Nova Jerusalém” na mesma sessão, mas não é obrigatório. Nos antigos tempos, quando o Padrinho não tinha ainda completo seu caderno, depois de seu hinário se bailava “O Cruzeirinho” do Mestre. E, antes de concluir o post, não podemos esquecer de externar aqui um grande obrigado ao Padrinho Waldete por fazer a todos nós irmãos seus, permitindo-nos chamar pelo Papai Sebastião no discorrer de seu hinário!...

Para extrair o download das mp3, clique em:

Viva Papai Sebastião! Viva Papai São Irineu!!!
e neste 18 de julho no Acre, mais que um Viva ao Padrinho Wilson!...
P A R A B É N S ! ! !
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12/07/2007

A "Oração do Padrinho" em estúdio

Oração "campal" em frente da igreja da Cinco Mil no final dos anos 70,
quando uma reportagem da Revista Manchete registrou pela primeira vez,
e em cores, a existência da Doutrina do Santo Daime no Acre.

CHAVE DE HARMONIA

Desejo Harmonia, Amor,Verdade e Justiça a todos os meus irmãos.
Com a força reunida das silenciosas vibrações de nossos pensamentos
somos fortes, sadios e felizes,
formando assim um elo de Fraternidade Universal.
Estou satisfeito e em Paz com o Universo inteiro
e desejo que todos os seres realizem suas aspirações mais íntimas.
Dou graças ao Pai Invisível
por ter estabelecido a Harmonia, o Amor, a Verdade e a Justiça
entre todos os seus filhos.
Assim seja.

Esta oração do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, fundado na cidade de São Paulo em 1909, faz parte das instruções dessa instituição como egrégora a ser mentalizada e proferida todos os dias às seis horas da tarde. Segundo depoimento de André Costa a Clodomir Monteiro, já nos anos 10 o Círculo de Regeneração e Fé - C.R.F. - criado na vila de Brazylia - Acre (hoje municípios de Brasiléia e Assis Brasil), por Irineu Serra conjuntamente com ele e seu irmão Antônio Costa (todos maranhenses), possuía vínculo com a instituição paulista. Após a extinção do C.R.F. em 1921, o vínculo foi extinto, até ser retomado pelo Mestre por alguns anos, entre as décadas de 50 e 60, motivo do centro ter recebido o nome na época de "Centro de Irradiação Mental Luz Divina". Falecido, entretanto, o presidente-fundador do Círculo Esotérico, conhecido como A.O.R. , sua substituta não aceitou o uso do Daime nas sessões de concentração no Acre, e assim o Mestre Irineu declarou que onde o Daime não era aceito ele também não estaria mais presente. Manteve-se, entretanto, o respeito e consideração aos fundamentos do trabalho esotérico do Círculo.

Sebastião Mota de Melo, fundador do Cefluris, assim como o Mestre também filiou-se ao Círculo Esotérico enquanto membro do centro do Alto Santo, e mesmo após a desvinculação manteve seu diploma emoldurado numa parede de sua casa. Um hino do Mestre Irineu, que dizia: "Seis horas da tarde / o sol vai se por / eu devo cantar / a meu Pai Salvador", o incentivou a ter na sua residência a prática de todos os dias na hora do entardecer (que ele marcava não pelo relógio mas pelo pio da nambu, ave amazônica que canta sempre a essa hora) rezar a Chave de Harmonia e cantar alguns hinos. Em depoimento no site da Flor do Céu, o Padrinho Sebastião comenta como eram suas palestras com o Mestre nesse tempo quanto tinha ocasião de estar com ele no Alto Santo:

Eu cantava os hinos que recebia para ele e ás vezes contava também com mais detalhes a miração que tinha dado origem ao hino. E ele confirmava tudo. É preciso ter calma. E todo mundo pisar bem de mansinho. Não se orgulhar dentro daquele salão. Que tem hora que tudo brilha e a gente quer se achar mais bonito que o outro que está lá passando baixo... Cuidado, matéria orgulhosa, que logo tu vai estar lá sentado no banco, se não estiver estirada no chão!

O Mestre dizia que o povo ainda ia chegar, que eu me preparasse. Depois que ele passou, o espírito veio me entregar o resto. Que era para eu não temer nada. Sobre questão disso e daquilo lá de fora, que eu não temesse coisa nenhuma e levasse em frente. Que o Daime ia guiar tudinho. Para ir tirando o povo de Juramidã, tirando do meio da cidade e colocando na floresta, que é o paraíso.

Nas horas dos desdobramentos a gente pode compreender muitas coisas boas. Mas tem que ter uma fé muito forte. Não uma fé assim sem saber em quem. Mas é fé de verdade, em quem está presente nessa bebida, em quem está invocando ela, que é Juramidã. E em todos os seres da Corte Celestial, como os da terra, da floresta e do mar e ainda alguns que vivem debaixo da terra. Pois eu andei debaixo da terra e é tudo claro como aqui em cima. Vocês não se admirem de nada, porque o Eu-Superior é tudo e anda por todo canto. E se eu estou com ele, me dá licença também de eu andar por onde ele quiser. Tem hora que tem alarme falso, para ver se estamos caçando um motivo para correr da fila. Quando a força balança, a primeira coisa que se deve fazer é ficar firme e segurar o ponto. Se não tem jeito de ficar em pé, senta; se não der para ficar sentado, deita. Se não der tempo para escolher nada disso, cai! O que importa é a gente receber o que o Ser tem para nos dar nessa hora. No meu aprendizado, eu algumas vezes fui ao barro, e dou graças a Deus pelas minhas quedas, porque saí bem aprendido com elas. E quem ficou só olhando para mim e achando graça, esse, coitado, não aprendeu nada!

Diploma de Raimundo Irineu Serra no Círculo Esotérico

Com a criação do Cefluris em 1974 e a construção da igreja, o Padrinho Sebastião começou a formar um caderno de hinos seus para essa oração diária das seis horas da tarde, concluído por volta de 1978 com doze hinos. Até 1990, quando veio a falecer, a oração encerrava-se com o hino "Eu não sou Deus", por esse motivo cantado em pé. Com a entrada de seu filho Alfredo no comando geral, acrescentou-se um hino deste, e se estabeleceu que o segundo hino da oração também seria cantado em pé, como uma invocação solene. Padrinho Waldete, no Mapiá, tem reforçado sempre que a Oração não se canta no ritmo de baile, mas sim num ritmo mais marcado, com as palavras mais bem pronunciadas. Só eventualmente, como num dia de domingo, junto ao ensaio de outros hinos, é que a Oração é bailada, mas nesse caso excetua-se o segundo hino, que é cantado em posição de guarda.

A pedido do meu amigo Velocino Fernandes, de Santana do Livramento, na fronteira Brasil - Uruguai, adianto neste blog a chamada "Oração do Padrinho", aqui em gravação de estúdio com o próprio Padrinho Alfredo Gregório. Extraia o download das mp3 no site União Estrela Guia, incluindo-se aí os arquivos de letras e cifras musicais, clicando em:


Agradecimentos ao irmão Padre Jaime Wanner, que nos enviou este e muitos outros bons arquivos a serem futuramente publicados neste nosso blog. A união faz a força!

11/07/2007

"O Cruzeirinho do Mestre" a capella

Luiz Mendes, Mestre-Conselheiro do CEFLI

A expressão a cappella é de origem italiana, como a maioria dos termos musicais. Inicialmente, a cappella significava o estilo de música sacra cantado nas capelas da Europa Antiga, onde era proibida a entrada de instrumentos musicais. Contudo, a cappella literalmente traduz-se por "no estilo de capela" - o que não significa canto sem acompanhamento -, refere-se à música coral sem acompanhamento instrumental "que forme uma unidade própria". Sob essa ótica, instrumentos podem ser utilizados para dobrar partes vocais, tal como, se um baixo elétrico é utilizado para dobrar o baixo vocal com o objetivo de dar peso a essa linha melódica, a peça ainda é considerada a cappella. Apesar disso, para a maioria das pessoas no mundo, o termo música a cappella significa música criada com nada mais do que a voz humana. (leia mais a respeito).

Esta gravação a capella dos chamados "Hinos Novos do Santo Cruzeiro" ou "Cruzeirinho do Mestre", foi realizada com o Padrinho Luiz Mendes, então presidente do CICLU, no ano de 1989, como uma encomenda que eu me encarreguei de levar pessoalmente ao Padrinho Sebastião Mota. Como funcionário do Museu da Borracha, da Fundação Cultural do Acre, eu era na época responsável pela documentação da Cultura da Ayahuasca, além de secretário-fundador do CEFLUWCS - "Centro Eclético da Fluente Luz Universal Wilson Carneiro de Souza". Nessa condição dei início a uma aproximação entre o Cefluris e o CICLU, que começou com garrafas de Daime intercambiadas entre feitios de um centro e outro de que eu participava, e através da retomada de contato entre famílias antes reunidas numa mesma irmandade, chegou até a concretização do festejo do Centenário do Mestre Irineu em dezembro de 1992. A gravação do Cruzeirinho se inseria nesse contexto de resgate cultural, e assim foi concluída com o registro do hino 132 do hinário de Luiz Mendes, "Chamamento", que foi escutado na fita cassete que entreguei ao Padrinho Sebastião no encontro que tive com ele no Seringal Anajás, em Boca do Acre, em 1989 , poucas semanas antes dele ser removido para tratamento médico na cidade do Rio de Janeiro. Além disso, entreguei dois presentes para ele: um hino ofertado pelo irmão Jarino, e outro de minha lavra, os quais devem compor o final do caderno de hinos presenteados ao "velho Mota". Deixei o Anajás com a incumbência de gravar o hinário do Tetéo para a Madrinha Rita, e estava no CICLU na noite de 19 para 20 de janeiro de 1990 cumprindo essa tarefa (Luiz Mendes fez essa gravação em especial sem bailado nem maracá, para servir melhor ao estudo da irmandade do Mapiá) quando recebemos a triste notícia do falecimento do Padrinho Sebastião.

Sobre os hinos do "Cruzeirinho", vale a pena recordar o depoimento de Jairo Carioca a respeito:

No final da década de 60 Mestre Irineu recebia seus últimos hinos, que claramente anunciavam o fim de sua trajetória nos planos terrestres. Conhecido como Hinos Novos, é uma das fases de maior luz no intercâmbio de comunicação entre o Mestre Irineu e a Divindade Suprema. Suas melodias, letras e mensagens resumem a grande árvore genealógica de ensinamentos, formadas pelos hinários pioneiros da missão. "O Mestre recebeu os hinos derradeiros direto, um atrás do outro", afirma dona Percília Matos.

É neste período também que o líder espiritual intensificou os conselhos, os ensinamentos e palestras que visavam preparar seu grupo para sua ausência. Um dia, Mestre Irineu surpreendeu a Equipe da Mata, que era liderada por Francisco Grangeiro, fazendo uma pergunta para ele, João Rodrigues Facundes e seu irmão Antônio Facundes: "Vocês ouvem cantar aí Flor das Águas, mas para vocês, quem é Flor das Águas?, perguntou o Mestre", conta Júlio Carioca.

"Compadre Chico respondeu para ele que era o Daime, a mesma resposta que deu o compadre Nica e o compadre Cancão (como são conhecidos os irmãos João Rodrigues e Antônio Facundes). Ele então deu um prazo de dez dias para eles retornarem com aquela resposta, e disse: Júlio, Flor das Águas é o oceano, vocês cantam aí:

"Flor das Águas
Da onde vem para onde vai
Vou fazer minha limpeza
No coração está meu pai

A morada do meu pai
É no coração do mundo
Aonde existe todo amor
E tem um segredo profundo

Este segredo profundo
Está em toda humanidade
Se todos se conhecerem
Aqui dentro da verdade"

Esse segredo, Júlio, continuava o Mestre - é o conhecimento de todos que estão comigo. Mas é se todos se conhecerem aqui dentro. Mas ninguém presta atenção, preferem falar da vida uns dos outros. Mas eu conheço os meus e no meu trabalho não perco nenhum", testemunha Júlio Carioca.

Para baixar essa gravação histórica de Luiz Mendes à frente do CICLU, extraia o download clicando em:

09/07/2007

"Cantos da Lua", de Cristina Tati

Uma filha do Padrinho Sebastião: é como genuinamente se sentem mulheres da Doutrina do Santo Daime como Cristina Tati, que de corpo e alma se identificaram em essência com o Culto da Rainha da Floresta a partir da prática comunitária ensejada pelo Cefluris, Centro Eclético da Fluente Luz Universal "Raimundo Irineu Serra", da Colônia Cinco Mil ao povo do Céu da Montanha, em Visconde de Mauá, Estado do Rio de Janeiro, terra de verdes pairagens.

Cristina Tati: Brazilian Spiritual Music.CD, é como se pode encontrar o cd "Cantos da Lua" em sites estrangeiros, e aqui no Brasil se encontra esgotado. Nesta belíssima seleção de seus hinos, extraída de seu caderno de hinário intitulado "Espelho da Alma", de forma mui terna e feminina Cristina Tati apresenta arranjos primorosos aliando a sonoridade sertaneja dos hinos tradicionais aos ponteios caipiras da Mata Atlântica. Diferencia-se aqui com perfeição o que seja um cd com registro musical de hinário "de festejo", ou seja, ritmado para a cerimônia bailada onde não se pode perder a marcação, de um cd como este, de gravação de hinos para audição doméstica, "de concentração", que Cristina Tati lançou em 2000. Esperamos ter em breve oportunidade de publicar neste nosso blog os hinos completos de Cristina.

Faixas -
01 : Oh Lua 01:58
02 : Lua Cheia 03:47
03 : Olhos Observantes 04:07
04 : Terra 05:46
05 : Celebração 03:36
06 : Meu Tesouro 03:59
07 : Sou Beija-Flor 03:50
08 : O Poder Das Estrelas 05:03
09 : O Sol E A Lua 04:14
10 : Gira O Mundo 03:14
11 : Mamãe Terra 03:17
12 : Eu Trouxe A Minha Viola 03:54

Extraia as mp3 e as letras dos hinos clicando para download:


06/07/2007

"Flor de Jagube", de Francisco Grangeiro Filho

Floração de Banisteriopsis caapi, foto de Marco Gracie Imperial

O jagube está aí
É para todos ter amor
Para poder conhecer
O nosso Pai Criador

A folha chegou a tempo
Ela vem mostrar seu valor
Para nos levar à presença
Do nosso Mestre Ensinador

O cipó, a folha e a água
Se juntou toda a harmonia
Para nos levar à presença
Da Sempre Virgem Maria

Estou aqui pra te ajudar
Procurar saber quem é
Aí é o filho de Deus
De Jesus, Maria e José

Fique aqui, vá trabalhar
E não me negue a seus irmãos
Quem está dizendo sou eu
É o velho Juramidã.

(hino 14)

Francisco Grangeiro Filho foi chefe de feitio do Mestre Irineu e membro do chamado Estado Maior do Centro Livre, integrando também a Comissão de Cura. Ingressou na Doutrina a partir dos anos 50 e veio a desposar a filha caçula de Antônio Gomes, Adália, pedindo a sua mão ao Mestre já que desde que Antônio Gomes falecera em 1946 era o Mestre Irineu o responsável pela família, de modo que pode-se considerar Seu Chico Grangeiro como um "genro do Mestre". No antigo CICLU, era ele quem preenchia a função de Gestor, já que era o coordenador dos feitios de Daime. Leia um seu relato :

O milagre que ocorreu comigo foi em 1952. Eu cortava seringa. Um dia, caiu uma casca na minha vista. Passei seis dias sem dormir e comendo muito pouco. O olho começou a espoucar, foi logo ficando branco. Fui para a casa da mamãe. Era véspera de ano. O Mestre passou por lá com o Zé das Neves e eu lhe mostrei a vista. - Olha, Chico, isso aí está ruim. Só um médico pode te ajudar. Eu não tenho ferramenta para isso. - Seu Irineu, se eu tiver que perder o olho é com o senhor. Se eu tiver que ficar bom, é com o senhor. - Tá bem. Segunda-feira você aparece lá em casa. Nessa noite eu dormi, sem remédio, sem nada. Segunda-feira fui lá. Ele estava no roçado e pediu à mulher para me dar um copo de Daime. Eu tomei e fui para casa. No dia seguinte, voltei lá. - Seu Irineu, recebi um hino, mas não achei futuro não. - Quarta- feira, vou abrir um trabalho para você. Ele me deu um copo cheio, mas não senti nada. - Que tal, seu Francisco? - Nada, seu Irineu. - Pois eu mirei. Mirei o seu remédio. Naquele tempo, chegava um doente e ele geralmente atendia na quarta-feira. O doente tomava um copo que ele tinha, assim grande. No meio do trabalho, ia buscar a dieta, buscar o remédio. Todo mundo concentrado. Quando terminava, ele dizia: "O remédio do senhor é tal e tal". Se fosse Daime era Daime, se não, ele falava. - Você tem mel de abelha em casa? - Não senhor. - Pois aqui tem! Raimunda, vai lá e traz aquele vidrinho com mel de abelha. Você molha no algodão e pega um pedacinho de morim e bote dentro bem limpinho. Pinga no seu olho. Assim fui curado. Não tenho nenhum defeito. Eu tinha boa vontade. Eu ia para a mata procurar jagube e foi ele quem me ensinou. Devido a essa minha boa disposição, um dia, de tarde, ele me chamou: - Chico, você vai ser um general da Rainha. Por que eu vou te dar esse cargo? Porque você chega aqui e diz: "Padrinho, encontrei um jagube, encontrei um folhal". Então, eu vou lhe dar essa patente. Se não bromar, estou lhe preparando para quando eu sair daqui lhe deixar no meu lugar. Chico, a Rainha me entregou o mundo. Quem quiser comigo, é comigo. Quem não quiser, é comigo. O tanto que eu mando em cima da terra, do mesmo jeito eu mando dentro do oceano.


O hinário de Francisco Granjeiro Filho se compõe de 26 hinos que mostram que ele se tornou mesmo um General da Rainha. É um hinário também de cura, pois tem seus fundamentos nos trabalhos de feitio, nas idas à mata para coleta de material, nas madrugadas em torno da fornalha de cozimento das panelas. Por isso o intitulamos "Flor de Jagube", por recordar os feitios dessa época do ano, quando o cipó está florido na mata e a ayahuasca parece mais doce.

Extraia as mp3 desse hinário (em talentosa gravação da própria família Grangeiro) juntamente com as letras dos hinos clicando em:


Apoio: Juarez Duarte Bomfim

05/07/2007

"O Mensageiro" Instrumental

"A Anunciação", pintura de Dante Gabriel Rossetti (1850)

Puro solo de violões, e um maracá de fundo apenas marcando o compasso de baile. Gravação realizada por George Washington Gomes de Souza, neto do do Padrinho Wilson, no estúdio em Votorantim (Carlos Flora), no ano 2001. Ideal para sessões de concentração ou acompanhamento de pessoa que esteja necessitando de tratamento terapêutico intensivo. A primeira vez em que fiz uma concentração com acompanhamento de uma gravação assim instrumental foi quando o Padrinho Luiz Mendes presidia o CICLU, e fizemos audição de "O Mensageiro" com teclados e sanfona, e foi muito forte a sessão. Hoje em dia devido à poluição sonora da vizinhança de muitos centros, tornou-se praticamente impossível realizar concentrações nos moldes antigos. Gravações como esta são de auxílio seguro . Já vi também, certa vez, após cantar o Germano e a primeira parte do Cruzeiro, no Alto Santo, fazer a segunda parte bailando com instrumentos mas sem canto. Uma espécie de concentração bailada, onde só se cantavam o 95 (Mensageiro) e os hinos novos (do 117 em diante). Parece ser um outro exercício com o Daime, o de voltar-se para si próprio, o que é com certeza producente.

Extraia o download do hinário de Maria Damião (Maria Marques Vieira):